Aos Joguinistas Artesanais
- Victor de Paiva
- há 1 dia
- 10 min de leitura
FRONTISPÍCIO
Este post é o segundo de uma série, pelo que parece? Obrigado a todos que leram, comentaram, engajaram na conversa nas redes sociais. A discussão continuou (e sempre continuará): o Paulo Andrés (Amaweks), veterano – tanto de escrita quanto de joguinismo – trouxe mais reflexões valiosas e primordiais sobre o artesanato de jogos; (e acabou vindo depois pro Controles!) Mencionado em seu próprio texto mais um dos nossos pioneiros Renato Degiovani, e outro do sempre afiado Kelson Douglas. Todos ótimas leituras.
Engraçado como, dentre os apologistas de todas as artes, nós que continuamente cometemos joguinismo – e especialmente aqueles que praticam a joguinologia – não duramos mais do que três cervejas sem cairmos em alguma divergência, ou convergência com notas de rodapé¹, sobre o que é abraçado pelo termo jogo.
Esta não será uma discussão ludológica – esta disciplina laureada já tem seus costumes, seus macetes e seus vícios. Estamos falando daquele je ne sais quois, daquele supremo inefável. Você, leitor do Controles, provavelmente sabe do que eu estou falando. Talvez não com a cabeça, mas com o seu estômago. É seu estômago que eu quero conquistar neste momento.
Estômago que, incidentalmente, eu maltratava enquanto bebia meu cafezinho quente com 4 colheres de açúcar – única forma possível de sobreviver à sensação térmica de 70ºC do Rio de Janeiro – e pensava mais sobre a proposta idealizada pelo Toso para o Novo Controles, o C.V. 2.0 que você está lendo agora.

A ideia de que o Controles é mais do que Lucas Toso. Mais do que nós que escrevemos as colunas. Que ele é algo de/para os que fazem jogos, pensam jogos, conversam jogos, muitas das vezes trabalham com jogos e no seu tempo livre ficam puxando assunto sobre jogos. Povo monotemático – e contraditoriamente, fascinante.
O duro do supremo inefável, porém, é que ele é inefável. Sua supremacia é passível de derrubada, com força de vontade suficiente. Mas na competência de colunista/escritor/posteiro preciso que também seja fável. Ainda em êxtase pelos meus brilhantes neologismos, me veio à cabeça um latim:
𝒱𝑜𝓍 𝒫𝑜𝓅𝓊𝓁𝒾, 𝒱𝑜𝓍 𝒟𝑒𝒾
~ o que significa "jogar a pica pros outros" em idioma Brasileiro.
Então eu pedi para 100 joguinistas resumirem desenvolvimento de jogos em 01 palavra.
🚨 📝 As regras:
I. Qualquer palavra. Sem receio, sem censura. Queremos aqui o urro silencioso da sua alma;
II. Apenas uma palavra. Um período de cinco orações coordenadas não é uma palavra só;
III. A primeira que vier na cabeça. Não quero ouvir o ranzinzo, azedo, medíocre, cobiçoso avatar do seu superego, quero a raspa do grotão do seu ID.
Busquei agrupar as palavras em temas/vibes, mas várias delas existem em intercessões multidimensionais neste diagrama de Venn de lunáticos.
🚨 🧐 Você não vai acreditar na #99! 🤪👇
Os no pain no gain-ers
Para uma grande quantidade de joguinistas, o ato de fazer jogos está intimamente ligado a um nível elevado de esforço (como exemplificado na obra mais famosa de Jason Schreier). O ofício tem uma complexidade inerente que parece agnóstica à senioridade, desafiando novatos e veteranos. Que isso sirva de aviso pra quem vê propagandas de "ganhe dinheiro rápido com jogos" no Instagram.
Paulo Franqueira (Tropicália): Sísifo
Gabriel "Gabas" (RoadOut): Persistência
Wagner "Bág" Tamborin (Bagdex): Luta
Dex Drakon (Asleep): Determinação
Ramiro Martinez (Forgotten Mines): Sísifo (não, ele não combinou com o Paulo)
Marcus Ribeiro "Bobby" (MechaBladeHero): Persistência (talvez ele tenha combinado com o Gabas)
Carol Sá (Enigma do Medo): Hercúleo
Rafael Burgos (Star Valor): Motivação
Tiago Jackson (Be Hero): Trabalho (mais no sentido que "dá trabalho")
Paulo Andrés Villalva / Amaweks (Bruxólico e muitos outros): Trabalho (no sentido de "subsistência")
Fellipe Martins (Go Mecha Ball, Super Leap Day, Alice: Madness Returns): "Trabalho. 20 anos disso"
Adrian Laubisch (Tacape): Evolução
Pedro "Jigu" Giglio (One Night in Kawami): Perseverança
Tiago Rech (TELEFORUM, Dodgeball Academia, Diesel Legacy, I Did Not Buy This Ticket, No Place for Bravery): Amadurecimento
Kezarus (Endless RPG): Disciplina
Nicolas Leme (Sky Caravan, Extremely Powerful Capybaras): Escalada
Roni Silva (Exodemon): Teimosia
Michael Douglas (Relatos de Vera Cruz): Esforço
Tauã Monteiro (Retro Arsenal): Luta
Filipe Mendes (Ghostein): Persistência
Os coringantes
De se esperar, a maioria dos joguinistas está fitando diretamente o abismo, 24/7, e o abismo olha de volta com um olhar sedutor. Abandonai toda a esperança, vós que entrais aqui.
Renan Riso (Lipsync Killers): Socorro
Caio Paifer (Karma City Police, Debtors' Club): Dor
"agora falando sério, pra te entregar algo pelo menos próximo de algum conceito – pra mim às vezes parece uma montanha-russa. Tem dias que o gamedev faz eu me sentir foda, em outros me sinto um lixo. Normalmente quando resolvo algum problema, e quando algum problema aparece, haha. Tipo passar três dias descobrindo por que um sistema não tá funcionando e se sentir a pessoa mais incompetente do mundo, pra então resolver e automaticamente me sentir muito bem, hehe. É foda porque além de técnico a gente coloca muito da gente mesmo na parada, cria uma ligação muito forte com o trampo/obra [...]."
"Ué, você não tinha dito que era uma palavra só?" Como falei no artigo anterior, a coluna é minha e eu faço o que eu quiser.
João Gabriel Rodrigues (E-Lich: Corporate Souls): Burnout
Rômulo Gomes (Wolfstride, Zet Zillions): Loucura
Tiani Pixel (UNSIGHTED, Abyss X Zero): Vida ("parece meio dramático mas é a primeira coisa que me veio na cabeça kkk tudo que eu faço da vida 🤷♂️")
Lucas Coelho (Siege 'n Sow): Agridoce
Nota de pesar: durante a confecção deste artigo, meses após a captação de sua palavra, Lucas Coelho veio a falecer devido a complicações hospitalares. Seu jogo não chegou a ser lançado. Como um gesto de memória à sua vida e seu legado, mantivemos sua menção – e seu termo de escolha, tão importante e verdadeiro na vida de todos nós, joguinistas. Que descanse em paz.
Akira (Subversive Memories): Sofrimento
João Brant (Dandara): Frustração
Heidy Motta (Celeste, TowerFall Ascension, Neverway): Loucura
Gabriel de França (Zeengs Lineland, Super Roller Dudo): Desestimulante
Léo Motta (No Heroes Here 2, Mark of the Deep): Osso (de "é osso")
Os estrategistas
Aqueles que, sabendo que é impossível, vão lá e ̶f̶a̶z̶e̶m̶ tentam.
Alguém (eu não consigo me lembrar quem) disse uma vez: "seus primeiros dez jogos serão ruins, então você precisa terminar eles o mais rápido possível". Veja que isto não significa que o décimo primeiro será bom, apenas uma garantia que os primeiros dez serão ruins. Esta é uma dentre as muitas estratégias possíveis do ramo – e estamos ainda todos, coletivamente, tentando encontrar uma que dê certo.
Diego Ras (Racco Venture): Foco
Di Amorim (Cat Leather Jackets): Resourcefulness (poliglota)
Gabriele Hensley (Astercys): Tentativa (de tentativa-e-erro)
Vitor Barcellos (Irmão do Jorel e o Jogo Mais Importante da Galáxia): Aprendizado
gools (Century of Anticipation): Comunidade
Cadu Rodrigues (Alien Paradise): Iteração
André L. Alvares (HomeNaut): Quebra-cabeça
Renato Degiovani (Amazônia) : Desafio
Antônio Willian (Pavu): Macumba
Lucas de Camillo (Tuned Turtle): Maratona
Ulisses D'Ávila (Punhos de Repúdio): Paciência
Os perdidinhos
Uma jornada de mil léguas muitas vezes começa com um primeiro passo na direção errada. Os joguinistas a seguir talvez sejam os mais honestos – nenhum de nós sabe de verdade o que está fazendo. Quem afirma que sim, mente ou dissocia.
João Rabello (Rasek, Clawed Cult, Neon Goddess): Incerteza
Gabriel Maki (Coralina): Confuso
Igor Carneiro (Cartomante, Stand By Me, Astro Pig, RitMania) : "Convoluto. Segundo take: Surubado". (tão convoluto que não conseguiu entender a tarefa de ser a primeira palavra que viesse na cabeça)
Solluco (SokoFrog, Ratyrinth, Dagger Froggy): Montanha-russa
Rodrigo Pascoal (Retro Machina, Haunted House, Sky Dust): Doideira
Raphael Sanguinete (NaÁra: Contos de Resistência): Doideira ("Bagulho doido. Se não puder ser uma expressão de duas palavras, Doideira")
zagoiris (LE FOL): Caos
Maki Yoshikawa (Pivot of Hearts): Doideira (talvez a palavra mais recorrente dentre as 100)
Victor Cesário (The Posthumous Investigation, Slash Quest): Treta
Os acadêmicos
Aqueles que nos defendem quando passa reportagem na Record dizendo que jogos nos deixam violentos. Provavelmente lêem livros e têm longos debates no WhatsApp se o termo correto é "jogo analógico" ou "jogo de mesa".
Thiago Batista (Deathbound): Arte
Arthur Protásio (Sword Legacy: Omen): NARRATIVA! (com caixa alta e exclamação)
Leonardo Thurler (Sky Racket, Shadows of Chroma Tower): Expressão
Filipe Dilly (Takara Cards): Consciência
Flávia Gasi (Cidadão de SP Simulator): Transmutar
Alex Viana (Ekorella): Visual
"ruim que com uma palavra só não dá pra explicar que é mais sobre gráficos interessantes do que RTX hiperrealista hahahahaha"
Fica tranquilo, Alex. Tenho coração mole.
Guilherme Diegoli Neto (Kalia and the Fire Staff): História (no sentido de contar histórias)
Vinicius Garcia (vinizinho's circle showdown, no bosque, mind the gap): Expressão
Mateus Pitta (CruzCredo!): Voz (no sentido de "trazer voz para as histórias brasileiras")
Guilherme Giacomini (Língua): Expressão
Filipe Pereira (ÁRIDA: Backland's Awakening): Sensibilidade
Pedro Victor (ARTIUS: Pure Imagination): Arte
Danilo Nunes (Avante! Atlantis): Criatividade
Alberto Assunção (Mangút): Sentimentos
Sophia Wickerhauser (A Sunday Afternoon): Fomento
Ana Machado (Hands of Timber): Storytelling
Pedro Oliveira (Drowned Lake): Gente
Cael Borges (Divinastros): Imaginário
Os miscelâneos
Deixamos a categorização dos termos a seguir como um exercício ao leitor.
Talbone (lunr.rdio.taxi): Fugaz
Dan Ximenes (A Lenda do Herói, Shieldmaiden): Resgate
Hugo Forte (Atomic Picnic): Nepotismo

Por pouco o artigo não virou um exposed
Cabie (Bem Feito): Trabalho, Onírico, Arquitetura, Iusão, Encanto
"Só sou péssima nesse tipo de coisa, pensei em cinco palavras ao mesmo tempo imediatamente kkkk mas aí não é trapaça?"
Não é trapaça. Tá permitido.
Os que talvez já tenham coringado
Que suas almas tenham paz, onde quer que estejam.
Guigo Zamarioli (Toni Island Adventure): Brincadeiras!!!!! (com cinco exclamações)
Thiago Oliveira (Red Ronin, Arashi Gaiden): Liquidificador
Alex Wanderley (The Light of the Darkness: Origins): Casamento
"Porque a gente casa com o jogo! Mas me dei conta que na verdade é Amante. Você não consegue explicar pro/a cônjuge, consome seu dinheiro sem perceber, pode acabar com o seu casamento de verdade, e quando finalmente vem a público... Na maioria das vezes não dá certo."
Wenes Soares (Cyberwar: Neon City): Tesão
Vírgula Leal (IRMÃO GRANDE E BRASILEIRO 2): Mentira
Mark Venturelli (Hell Clock, Relic Hunters Legend): Verdade
Rafael Braga (Recruta Zero) - DOIDERA!!!
Os com brilho nos olhos
Aqueles que, impérvios às mazelas do capitalismo, trazem um raio de sol para o resto de nós. Aqueles que focam no copo meio cheio. As Pollyannas da indústria. Possivelmente uma subcategoria d'Os que talvez já tenham coringado.
Rennan Costa (Shard Squad): Brincar
Meiri (Hydrangea, Metahorror Therapy Session): Libertação
Victoria Motta (Turi - Kaapora): Representatividade
Roberto Garcia (BlackThorne Keep): Paixão
Mat Graz (Toada Brava): Boneco (de "brincar de boneco")
Alessandro Martinello (MULLET MADJACK): Criar
Jonathan Silva (Pocket Bravery): Esperança
Davi Baptista (Pimbolas): Criatividade
Pedro Savino (Super Mombo Quest): Sonho
Tuba Zef (Fish Person Shoooter): Liberdade
Vinicius Hashirama (YUKI Space Ranger): Recompensador
André Cappela (Reality Rash): Sonhar
Zé Wilson (ONE BEAT MIN, Hit It Back): Pessoas
Alan Fernando (Silva): Sonho
Maicon Benato (muitos jogos pela Devcats): Gratidão
Fernando Tittz (The Lacerator, Death Elevator): Propósito
Rafael Bioza (Roller Heist): Diversão
O #99
Lucas Toso (Controles Voadores): Salada
E o 100 é você, joguinista. Porque como já falei antes, se você está aqui, lendo esta coluna, acompanhando o Controles, você também é um(a) de nós. Não vou te deixar esquecer. Me diga aí nos comentários qual é a sua palavra.
Posfácio
Este artigo levou bastante tempo desde sua concepção até sua publicação, de Fevereiro até Julho de 2025. De lá pra cá tivemos gamescom latam, o pós-gamescom (e a tal matéria da Voxel que este quem vos fala teve a oportunidade de contribuir com algumas aspas), o Brasília Game Festival, o 3º Festival Jogatório, idas, vindas, e encontros.
Em um destes encontros tive a alegria de jantar com Raquel Gontijo, que atualmente ocupa a posição de head de Relações Institucionais e Governamentais na ABRAGAMES. Um dado interessante que surgiu neste papo (que rolou no ótimo Izakaya Gaijin em Brasília – recomendo) é o número de 13,000 pessoas desenvolvedoras de jogos mapeadas pela Pesquisa Brasileira de Games 2023.
O número já impressionaria por si só (pensem que as 100 pessoas desta lista são apenas 0.8% de treze mil), mas como a própria Raquel pontuou: o número provavelmente é muito maior. Estas são apenas as pessoas que, em livre associação, e voluntariamente, responderam à pesquisa. Pensem que vivemos em um subcontinente com mais de cinco mil municípios, com mais de duzentos milhões de habitantes.
Este artigo nunca almejou ser um retrato fidedigno dos joguinistas brasileiros – é um minúsculo, ínfimo recorte, fortemente enviesado pelas minhas vivências e contatos. Uma janela indiscreta para lapsos da psiquê dos nossos colegas de profissão e classe. Uma dose homeopática de sonder.
Mas, se eu puder ter trazido pro seu conhecimento um ou dois projetos interessantes que você nunca tinha ouvido falar, ou se este minúsculo registro do estado da nossa comunidade puder expandir, ainda que um pouco, nosso entendimento próprio como criadores – dedicados, perdidinhos, coringantes, acadêmicos e com brilho nos olhos, já valeu a pena.
É pra isso que temos este espaço aqui no Controles.
¹ Como esta.