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Game Economics 5: Economia na Prática

  • Foto do escritor: Yvens R Serpa
    Yvens R Serpa
  • 13 de jun.
  • 11 min de leitura
Paisagem (Sem Título), por Emmanuel Zamor (1916)
Paisagem (Sem Título), por Emmanuel Zamor (1916)

Nos últimos artigos desta série, nós exploramos vários aspectos teóricos da economia de jogos, como recursos, mecanismos e ciclos de retroalimentação. Estes conceitos são muito úteis para analisar jogos já existentes, inclusive aqueles em desenvolvimento, mas, à primeira vista, parecem ser muito abstratos para o desenvolvimento inicial de um jogo ou protótipo. Neste artigo, vamos concretizá-los com um exemplo prático de como estes conteúdos podem ser usados para iniciar o processo de game design através da economia e seus conceitos.


Leia também:


Ideia e Restrições


Antes de tudo, o primeiro passo para a criação de um protótipo de jogo baseado na economia é a definição da ideia central do jogo e suas restrições criativas. Embora criatividade seja sempre vista como uma forma de expansão de ideias, o processo criativo é geralmente mais fluído quando restrito.


Mantendo a coerência com os meus textos anteriores críticos aos jogos com mensagens neoliberais e pró exploração, eu decidi realizar este processo com as seguintes restrições criativas: o jogo deve evitar mecânicas violentas e agressivas; o jogo deve evitar acumulações materiais; e o jogo deve ter mecânicas com espaço para outros aspectos importantes de jogabilidade como a narrativa. Esse processo de restrições é algo muito pessoal e individual, porém, ele geralmente me ajuda a incentivar o processo criativo a se afastar de ideias muito recorrentes e clichês.


Com estas restrições eu desenvolvi a primeira versão do jogo Florestando. A ideia de Florestando é de que o jogador caminha por uma floresta, catalogando os elementos desta, como em um estudo exploratório. As mecânicas principais são conectadas à exploração e ao catálogo dos elementos da floresta. O objetivo geral do jogo é distante de ideias violentas ou agressivas, embora ainda apresenta muito espaço para mecânicas de ação e aventura, como subir em árvores ou esgueirar-se para chegar próximo a animais tímidos e catalogá-los. Além disso, todo o cenário da floresta e as informações do catálogo são ricos em oportunidades para a narrativa e estética do jogo.


O conceito geral do jogo é resumido abaixo:

Em Florestando, o jogador explora uma floresta para catalogar e aprender sobre seus habitantes, os quais incluem plantas, animais, humanos e outros.
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Recursos e Mecanismos Iniciais


Dado que a dinâmica principal do jogo é sobre explorar e catalogar, o primeiro recurso que reconheci como importante foi a energia. Para realizar estas mecânicas, o jogador precisa escolher como gastar sua energia, criando a primeira forma de agência e jogabilidade. Outro recurso importante é o próprio catálogo. Quanto mais o jogador explora, maior o seu catálogo. Logicamente, o catálogo é também o nosso recurso de progressão: ele indica o quão perto o jogador está de concluir o jogo.


Ciclo Base de Florestando
Ciclo Base de Florestando

A mecânica de explorar é bem ampla e pode ser explorada de várias formas como uma exploração livre em primeira pessoa, terceira pessoa, em um tipo de jogo de point-and-click, e assim por diante. Contudo, essa é uma decisão que está mais próxima das decisões de mecânica do que de economia, portanto, não é algo que precisamos nos preocupar inicialmente. Por outro lado, a mecânica de catalogar é mais próxima dos recursos do jogo e é uma forte candidata a ser desenvolvida através do uso de mais recursos e mecanismos. Por isso, decidi expandir a ideia do catálogo primeiro.


Trazendo um pouco de como um processo real de catalogação aconteceria, é necessário que o jogador tenha algum tipo de conhecimento ou estudo para transformar suas anotações oriundas da exploração em um novo registro no catálogo. Com isso, adicionamos mais um recurso e mais uma mecânica ao jogo:


  1. O conhecimento: um recurso que representa o quanto o jogador entende do ambiente e é usado para criar novos registros no catálogo;

  2. A ação de estudar: a qual gera conhecimento baseado nos achados das atividades de exploração.


Perceba que com essas adições a nossa progressão torna-se mais clara: o jogador progride no jogo conforme ele adiciona novos registros no catálogo. Logo, como condição de vitória, o jogador precisa preencher todo o catálogo com os registros. Note como os registros no catálogo são também recursos e, neste caso, são os verdadeiros recursos do catálogo. Enquanto o jogador vê o catálogo como um item importante, em termos de economia, o catálogo não possui nenhuma relevância econômica e é um simples coletor de recursos (os registros).


Diagrama de mecânicas com Explorar, Estudar, Catalogar
Diagrama de mecânicas com Explorar, Estudar, Catalogar

Aos Números


Embora seja possível continuar expandindo as ideias, mecanismos e mecânicas do jogo como foi feito até então, os elementos da economia são mais fáceis de serem trabalhados quando tomam uma forma mais concreta na forma de números. Por exemplo, quanta energia o jogador tem por dia de jogo? Esse valor vai determinar quanta energia pode ser gasta explorando, catalogando e estudando.


Por mais que seja difícil estimar um valor sem todas as informações fixas, eu sempre recomendo iniciar de algum valor intuitivo e seguir a diante. Depois de ter um valor inicial e trabalhar o restante da economia, é sempre possível voltar e retrabalhar os valores. Este processo de retrabalho será sempre necessário porque é através dele que balanceamos e melhoramos o jogo.


De forma intuitiva, eu decidi usar o valor 5 (cinco) como valor inicial da energia por dia. Cinco é um número fácil de entender (cabe na mão), é ímpar (permite um planejamento desigual de distribuições), e é primo (possui características matemáticas únicas). Você não precisa seguir essas motivações e, na prática, o processo provavelmente funcionará da mesma forma se usássemos valores diferentes ou de forma completamente aleatória.


Usando este valor inicial como base, eu criei a primeira distribuição de custos de energia para o jogo, apresentados na tabela abaixo:


Custo de Energia

Explorar

2

Estudar

1

Catalogar

1

Explorar custa mais energia do que as outras ações por ser algo mais ativo. Com os valores atuais para energia, o jogador pode explorar até 2 vezes por dia, o que parece um bom valor para conter o progresso do jogador e controlar a velocidade do jogo. Estudar e catalogar, por serem menos ativas, custam apenas 1 de energia e podem ser facilmente combinadas com atividades de exploração. Com estes valores, um jogador pode explorar duas vezes, achar algo e ainda ser capaz de catalogar o achado no mesmo dia. Por outro lado, se o jogador achar algo após explorar apenas uma vez, ainda há energia suficiente para estudar, (possivelmente) gerar conhecimento suficiente e catalogar o achado.


Para a geração de conhecimento, uma ação de estudar gera entre 1 e 2 conhecimentos. Essa aleatoriedade deixa o jogo menos previsível e mais dinâmico. A partir daí, decidi que o primeiro registro no catálogo custa 4 de conhecimento. Desta forma, o jogado precisará estudar entre 2 e 4 vezes antes de achar e catalogar o primeiro registro.


Os Habitantes da Floresta


Quando o jogador explora, há uma chance de encontrar algo na floresta. Os achados que eu projetei inicialmente são: achado biológico (como um animal ou planta); achado geológico (como uma pedra ou área); ou, achado sociológico (como moradores da floresta e outros traços feitos por humanos).


A distinção entre os achados é meramente um fator narrativo, visto que o catálogo como projetado não faz distinção entre os tipos de registros. Contudo, mesmo que em termos de economia esses achados sejam os mesmos, eles abrem espaço criativo para a concepção de novas mecânicas, mecanismos e recursos.


Para evitar que o jogador sempre ache algo catalogável, eu também projetei outros resultados de uma ação de exploração: uma fruta comestível (pode ser guardada para recuperar energia em um momento futuro); uma gruta (onde o jogador pode descansar e recuperar energia de forma imediata); um outro estudante/catalogador (que aumenta o conhecimento do jogador através de uma conversa); e um excursionista (que conversa com o jogador, abrindo espaço para a narrativa). Finalmente, o jogador pode também não encontrar nada durante uma exploração.


Com isso, chegamos ao diagrama apresentado abaixo, que é mais complexo e contempla quase todas essas etapas e mecanismos do jogo.

Diagrama de mecânicas, mecanismos, achados e extras de Florestando
Diagrama de mecânicas, mecanismos, achados e extras de Florestando
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Chance e Balanceamento


Como dito anteriormente, é mais fácil estudar e planejar a economia usando valores concretos para os mecanismos e recursos. De forma intuitiva, distribuí as probabilidades dos resultados da exploração da seguinte forma, seguida de suas justificativas:


Chance

Achado (Geo, Bio, Soc)

25%

Nada

25%

Extra

50%

Os achados possuem 25% de chance de serem encontrados, controlando a velocidade do jogo. As chances de um resultado ruim (nada), são os mesmos de um achado, equilibrando-os de forma igual. Por fim, para que o jogo não fique muito monótono, as chances de achar algo diferente são de 50%. Para estes extras, temos uma outra tabela de probabilidade.


Extra - Chance

Extra - Fruta

40%

Extra - Gruta

25%

Extra - Estudante/Explorador

10%

Extra - Nada

25%

A fruta comestível tem a maior probabilidade por ser um recurso estratégico. Como o jogador escolhe quando usá-la, a fruta torna-se um recurso que aumenta a agência do jogador, permitindo que ela seja usada conforme a estratégia adotada. Por outro lado, a gruta tem uma probabilidade menor, de 25%, visto que sua recompensa é imediata. Encontrar um estudante/explorador tem a probabilidade de 10% por gerar um recurso importante, o conhecimento. Para balancear a baixa probabilidade de achar um estudante/explorador comparado à ação de estudar, podemos aumentar a quantidade de conhecimento gerado neste encontro. Por exemplo, enquanto estudar gera de 1 a 2 de conhecimento, o encontro com um estudante/explorar pode gerar de 1 a 4 de conhecimento. Por fim, ainda há a chance de que nada seja encontrado (25%), reduzindo a velocidade do jogo.


Note que, embora eu tenha justificado todas essas escolhas de forma lógica, nenhuma delas tem garantia alguma de criar uma jogabilidade interessante e balanceada. No máximo, podemos esperar que alguns comportamentos aconteçam, como ter jogadores priorizando a ação de explorar ou de que os jogadores usem suas frutas comestíveis sempre que necessário dada a sua alta probabilidade. Primeiro é necessário jogar o jogo com estes valores para avaliar a experiência e repensar estes valores. E esses valores principais são indispensáveis: é impossível testar o jogo sem valores iniciais.


Perceba também que alguns aspectos foram simplificados e até ignorados nestas tabelas de probabilidade. Os achados, embora possuam três tipos distintos, foram simplificados como um único achado com 25% de chance. O excursionista, um possível resultado dos extras da exploração, por não ter impacto econômico, não foi incluído e pode ser visto como parte da chance de não se encontrar nada - eu sei, parece um pouco rude com as pessoas excursionistas, mas em termos de economia, sua contribuição para a narrativa, por ora, não é relevante o suficiente para justificar a sua inclusão.


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Retroalimentação e Objetivo


Faz sentido que, conforme o jogador cataloga novos achados, a floresta seja mais e mais fácil de se navegar, aumentando as chances de se encontrarem mais achados. Podemos modelar este comportamento através de um ciclo de retroalimentação positivo que aumenta as chances de encontrar achados e reduz a chance de explorações sem resultados (nada) conforme o catálogo é expandido.


Por outro lado, como outra medida de controlar a velocidade do jogo, podemos adicionar um ciclo de retroalimentação negativo que aumenta o custo de conhecimento na geração de novos registros no catálogo. Um ciclo de retroalimentação negativo é aquele que aumenta os custos de mecanismos conforme seus recursos são gerados. Neste caso, podemos aumentar em 1 o conhecimento necessário para a geração de um novo registro para cada registro novo criado. Assim, é necessário mais esforço para progredir no jogo.


A retroalimentação ajuda a manter o jogo interessante conforme o jogador aprimora suas habilidades, aumentando a dificuldade do jogo conforme o jogador torna-se mais apto.


Por fim, para tornar o jogo "finalizável", é necessário ter uma quantidade definida de quantos registros precisam ser feitos para concluir o catálogo. Para tornar os testes mais rápidos e acertados, defini o valor de 4 registros. Logo, com o ciclo de retroalimentação, os valores de conhecimento necessário serão, em ordem, 4, 5, 6 e 7 - uma progressão linear simples de compreender e lembrar. Assim que o jogador tiver 4 registros, o jogo é concluído.


Eu sei que 4 parece um valor muito pequeno e o jogo pode ser muito rápido, mas nosso intuito nas primeiras iterações da economia é validar a economia e não o jogo em si. O jogo em si terá outros fatores que prolongarão seu tempo como o uso das mecânicas, tempo de leitura das narrativas, tempo de contemplação dos aspectos audiovisuais, dúvidas, dificuldades, etc.


Testando a Economia com Machinations


Embora seja possível testar esses aspectos da economia com protótipos de papel e até com ferramentas de tabelas (como o Excel ou o Google Sheets), uma das ferramentas que eu mais gosto de usar para testar economias é a plataforma Machinations. Machinations nos permite modelar economias usando os conceitos e princípios que estamos estudando nessa série.

Abaixo você pode ver uma versão de Florestando feita em Machinations já com algumas alterações de balanceamento:


Protótipo jogável em Machinations de Florestando.
Protótipo jogável em Machinations de Florestando.

O protótipo do Machinations é jogável: os elementos em roxo com o símbolo de uma mão são clicáveis e reagem de acordo com a disponibilidade de recursos. Note que o diagrama possui mais elementos do que os discutidos até então. Por exemplo, não discutimos a ação de dormir, mas essa mecânica é essencial para jogo, caso contrário não seria possível recuperar a energia de forma regular.


Abaixo você pode ver a tabela atualizada com a distribuição de chances depois de testar e jogar Florestando usando o protótipo do Machinations.


Chance

Achado

35%

Nada

10%

Extra

55%

Em resumo, as minhas intuições iniciais para as chances de uma exploração mal sucedida foram bem ruins. O jogo estava frustrante e demorado mesmo com apenas 25% de chance de falhar na exploração. Contudo, um valor mais alto do que 35% para os achados fez o jogo ser muito fácil e previsível. Logo, por ora, esses valores apresentaram uma boa distribuição para uma primeira versão do jogo.


Você pode jogar a versão mais recente de Florestando pelo link a seguir:



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Próximos Passos e Conclusões


A versão atual em Machinations do Florestando é puramente econômica e nos traz um bom ponto inicial para o desenvolvimento do jogo. Com ela é possível testar e experimentar os mecanismos da economia e prototipar outras mecânicas e relações de forma visual, dinâmica e com baixo custo técnico. Contudo, claramente a falta de outros elementos da mecânica, estética e narrativa fazem falta. Testar a versão do Machinations é bastante útil nas primeiras iterações, mas logo a falta dos outros elementos torna o protótipo maçante e desinteressante, urgindo que novos tipos de protótipos sejam desenvolvidos.


Por outro lado, não é necessário que a gente já passe para uma prototipação mais final do jogo em um motor de jogos como a Unity ou Godot. Podemos ainda trabalhar nesse protótipo com algumas finalidades:


  1. Balanceamento inicial de opções: Podemos explorar mais opções e relações para tornar a economia mais dinâmica e diversa.

  2. Explorar outros mecanismos de retroalimentação: Por ora os únicos mecanismos de retroalimentação usados servem para controlar a velocidade do jogo, mas poderíamos explorar outros sistemas como pontuações individuais do jogador que influenciam a exploração.

  3. Aumento da agência e customização do jogador: Além disso, há poucas opções no jogo para agência e customização do jogador. Por exemplo, ao invés de tratar o uso de energia de forma fixa, o jogador poderia distribuir pontos que definem o uso da energia e ter mais agência sobre como o jogo se desenrola.

Além disso, claro, outros processos do desenvolvimento do jogo podem andar em paralelo. Enquanto a programação do jogo é desenvolvida e as artes para este são criadas, o protótipo do Machinations pode ser explorado e combinado aos resultados destas outras áreas. Contudo, é importante ressaltar, principalmente para a programação, que não é normalmente possível fazer uma tradução de 1 para 1 dos diagramas do Machination para o jogo final.


A modelagem da economia é uma linguagem própria que interpreta e representa elementos do jogo através de elementos da economia. A mecânica de explorar a floresta, no protótipo apresentado, é apenas um botão, mas no jogo final pode se manifestar de formar bem distintas ao ponto de até modificar o conceito da energia como um recurso. Não seria estranho, por exemplo, que o que é um recurso de energia na economia tome a forma de um recurso de tempo no jogo final. Por exemplo, explorar toma horas do dia do jogo ao invés de cansar o jogador. Note que, em termos da economia, sejam horas ou pontos de energia, as relações se mantêm, mas em termos de mecânicas e narrativa, essa alteração muda significativamente como o jogo é percebido pelos jogadores.


Finalmente, este artigo tentou trazer os elementos discutidos sobre a economia de jogos em um contexto mais prático e apresentou como eles podem ser utilizados para prototipar, testar e validar jogos. Embora mais matemática do que outras áreas do desenvolvimento de jogos, a economia de jogos é mais acessível para iniciantes na área de game design comparada à programação e tem resultados mais próximas do jogo final do que áreas mais artísticas como a modelagem 3D e a narrativa.


E aí, você conseguiu completar o Florestando? Você demorou quantos dias? Durante a escrita desse artigo eu pensei várias vezes em fazer uma versão jogável do Florestando para mostrar o processo completo de concepção até publicação - quem sabe esse jogo não vê a luz (verde) um dia, não é?


Obrigado pela leitura e nos vemos em breve ;)


Referências: Serpa, Y. R. (2024). The Cores of Game Design: Mechanics, Economics, Narrative, and Aesthetics. CRC Press.

Adams, E., & Dormans, J. (2012). Game Mechanics: Advanced Game Design. New Riders.

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