
Jogos são compostos por diversas partes: narrativa, tecnologia, elementos audiovisuais, tabuleiros, mecânicas, etc. Muitos autores debruçam-se sobre estes aspectos, tentando montar uma anatomia ideal (ou mínima) para jogos, além de existirem inúmeras postagens online discutindo quais elementos são mais importantes ao se desenvolver ou projetar um jogo. Destas, as mecânicas costumam ser o tópico mais popular, sendo geralmente mencionadas como o elemento que distingue os jogos das outras mídias, visto que estas permitem a interação entre jogo e jogador, algo inexistente em outras mídias*.
Contudo, há outros elementos importantes no desenvolvimento e design de jogos que merecem atenção, tais como narrativa e a estética. Ademais, um elemento pouco discutido nesse campo é a economia. Não, não se trata da discussão de modelo de mercado ou planejamento financeiro de um jogo, embora estes sejam fatores importantes. A economia de um jogo é o ramo do design de jogos que lida com os recursos de um jogo, assim como as suas relações e mecanismos dentro do jogo.
Por definição, recursos são quaisquer elementos em um jogo que podem ser representados numericamente. Por representação numérica nos referimos a qualquer tipo de contagem, mesmo que esta seja binária (0 ou 1). Por exemplo, em um jogo de aventura como o Super Mario World, as vidas são recursos, assim como o número de moedas coletadas e se o jogador está ou não com o Yoshi. Este último é um exemplo binário: o jogador ou tem o Yoshi (1), ou não tem (0).
![Recursos em uma fase de Super Mario World. [Fonte: Mario Wiki]](https://static.wixstatic.com/media/0f0a2a_f4a4b543118e476aa0c8a607eb4328b3~mv2.png/v1/fill/w_980,h_551,al_c,q_90,usm_0.66_1.00_0.01,enc_auto/0f0a2a_f4a4b543118e476aa0c8a607eb4328b3~mv2.png)
Recursos interagem com as mecânicas do jogo, mas não são restritos a mecânicas específicas. Ainda usando o exemplo anterior, se o Mario pula em uma plataforma para pegar um cogumelo verde, ele ganha uma vida (incrementa o recurso vida). Ao mesmo tempo, se forem coletadas 100 moedas, estas são convertidas em uma vida. Perceba que ambas as situações lidam com o mesmo recurso (vidas), mas através de mecânicas e sistemas diferentes.
Recursos também podem se manifestar de diferentes formas, mudando suas características. Existem várias moedas espalhadas fisicamente nas fases de Super Mario World, mas, ao serem coletadas, elas assumem a forma de um número na interface do jogo, perdendo suas características físicas. O número na interface representa a quantidade de moedas que o jogador possui, mas este número não é o mesmo que a moeda. São manifestações diferentes do mesmo recurso.
![Bloco que cria moedas controláveis pelo jogador. [Fonte: Mario Wiki]](https://static.wixstatic.com/media/0f0a2a_a16537f0d8ba4976b073a2cfb480a6b6~mv2.png/v1/fill/w_980,h_551,al_c,q_90,usm_0.66_1.00_0.01,enc_auto/0f0a2a_a16537f0d8ba4976b073a2cfb480a6b6~mv2.png)
Esta distinção entre propriedades é uma rica fonte de possibilidades. As moedas imateriais da interface, por exemplo, fazem parte do mecanismo que as converte em vidas quando a sua quantia chega a 100. As moedas físicas das fases não participam deste mecanismo, mas elas têm mecânicas próprias. Por exemplo, algumas mecânicas no jogo fazem surgir mais moedas na fase, que desaparecem se não são capturadas a tempo. Há também uma mecânica que transforma as moedas da fase em blocos físicos, criando novos caminhos e plataformas.
Estas diferentes manifestações permitem diferentes mecânicas e mecanismos. Sabendo que há um atalho ou passagem secreta, o jogador pode escolher por não coletar as moedas físicas para transformá-las em blocos, o que não é possível fazer depois que estas se convertem na sua versão imaterial na interface do jogo.
Tangibilidade de Recursos
O termo comumente usado para esta característica física de um recurso é a tangibilidade. Recursos tangíveis existem no mundo do jogo de forma física, enquanto recursos intangíveis não, manifestando-se em interfaces e outros elementos visuais do jogo, fora do mundo físico do jogo.
Como discutido anteriormente, a tangibilidade é uma propriedade poderosa para o processo criativo no desenvolvimento de jogos. Um exercício interessante a ser feito é inverter a tangibilidade de recursos para criar situações novas.
Por exemplo, no caso do Super Mario World, poderíamos propor um mecanismo que aumenta o tamanho do Mario de acordo com a sua pontuação. O corpo do Mario torna-se a manifestação física e tangível da pontuação e impacta diretamente na sua mobilidade. Quanto mais pontos, maior o Mario e maior suas chances de ser atingido por obstáculos. Por outro lado, menos pontos tornam o jogo relativamente mais fácil, mas reduzem as chances do jogador de conseguir vidas e outros recursos oriundos da pontuação.
![Exemplo de árvores no jogo Warcraft 3. [Fonte: Classic Battle.net]](https://static.wixstatic.com/media/0f0a2a_345cc3d3a695443fb04af05b3fd8f06b~mv2.png/v1/fill/w_980,h_551,al_c,q_90,usm_0.66_1.00_0.01,enc_auto/0f0a2a_345cc3d3a695443fb04af05b3fd8f06b~mv2.png)
Jogos de estratégia em tempo real exploram a tangibilidade de seus recursos de formas muito interessantes de serem estudadas. Árvores são sempre bons casos de estudo. Geralmente, árvores físicas no mundo do jogo precisam ser derrubadas e levadas de volta à base para transforma-se na sua versão intangível na interface gráfica. Uma vez na sua forma intangível, elas estão seguras de outros jogadores e podem ser usadas nas operações econômicas do jogo. Por outro lado, elas são vulneráveis na sua forma tangível e podem ser destruídas por um jogador rival com uso de mecânicas de combate. Além disso, mecânicas diferenciadas de coleta que não requerem sua destruição pode permitir que as árvores sirvam como uma muralha “natural” que protege e escondem as construções de um jogador.
![Unidade Wisp capaz de coletar recursos de madeira sem destruir árvores. [Fonte: Classic Battle.net]](https://static.wixstatic.com/media/0f0a2a_8a3a8309a4fa4016abc0553d743f8a51~mv2.png/v1/fill/w_980,h_551,al_c,q_90,usm_0.66_1.00_0.01,enc_auto/0f0a2a_8a3a8309a4fa4016abc0553d743f8a51~mv2.png)
Mas nem tudo é Relevante
Finalmente, embora, por definição, qualquer aspecto do jogo que possa ser representado numericamente possa ser entendido como um recurso, nem todo recurso requer atenção. Paredes e corredores, por exemplo, assim como plantas e flores da decoração de cenários, tecnicamente, se encaixam na definição de recursos, mas dificilmente estarão envolvidos em mecanismos e mecânicas do jogo de forma relevante. É trabalho do game designer definir quais recursos são relevantes para o jogo e usá-los como ferramentas para trabalhar outros aspectos do jogo, como as mecânicas que usam tais recursos e mecanismos que os transformam.
Por outro lado, explorar estes elementos ora ignorados pode ser uma fonte criativa valiosa. E se usássemos paredes e corredores como parte de nossas mecânicas? E se a decoração de cenário fosse parte relevante na narrativa do jogo para além de seus aspectos estéticos? Explorar estes outros aspectos e recursos pode trazer a tona economias inovadoras e expandir as possibilidades criativas no desenvolvimento de jogos. E, mesmo que você não desenvolva jogos, estes exercícios de analisar a economia podem expandir os horizontes para os quais você os admira.
Entender e estudar recursos é também uma ferramenta importante da análise da mensagem de um jogo. Quais recursos são genuinamente explorados pelo jogo? Qual a mensagem por trás deles? É uma mensagem de acumulação gananciosa ou de valorização? Mas essa discussão fica para um próximo artigo.
Obrigado pela leitura e nos vemos em breve ;)
Referências: Adams, E., & Dormans, J. (2012). Game Mechanics: Advanced Game Design. New Riders.
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