A gamescom 2025 para autistas
- Livia Scienza
- 7 de mai.
- 8 min de leitura
De palestrantes PcDs à sala de acolhimento e muuuuito estímulo

Fala galera! Recentemente estive na gamescom como imprensa e redatora deste maravilhoso site, o Controlão. Estive atenta a uma porção de fatores do evento, mas um dos aspectos que me chamou atenção foi a questão da acessibilidade e inclusão PcD. Para quem não sabe, eu sou autista e, em grandes eventos como a gamescom, nós podemos ficar bastante sobrecarregados sensorialmente pelo barulho, quantidade de pessoas e estímulos visuais.
Segundo um censo feito pela UKIE e a University of Sheffield em 2022, 10% dos desenvolvedores de games do Reino Unido possuem alguma condição que afeta a concentração, como o TDAH. O mesmo censo indica que cerca de 4% dos devs deste mesmo local são autistas. Não tive acesso a dados semelhantes para a nossa realidade brasileira, mas por experiência etnográfica poderia afirmar que temos muitos profissionais da indústria e muitos gamers que são neurodivergentes.
Por este e outros motivos, entrevistei a posteriori alguns visitantes PcDs autistas e fui dar uma olhadinha na sala de acolhimento PcD disponibilizada pela organização da gamescom. Mas antes de falar dela, deixa eu comentar um pouquinho sobre outros aspectos. Porém fique até o finaaal que o melhor eu deixei lá pra baixo hehehehe :D
Filas
Filas looooooooongas e demoradas. Além de autista, sou TDAH. Posso dizer com todas as letras que eu não me prestei a ficar em nenhuma fila para absolutamente nada além de encher minha garrafa de água. Não teria condições.
Um dos entrevistados enfatizou a ausência de filas preferenciais dentro do evento. "Eu quase não peguei nada esse ano porque tava sem saco para encarar qualquer fila. Os únicos que fui estive com pelo menos uma amizade de suporte", disse C., de 24 anos, pessoa transmasculina TDAH e autista. Ele ainda completou: "Seria bom deixarem bem mais exposto que existia uma sala de apoio pcd com recursos e outra de descompressão no stand da AbleGamers".
Todavia, C. também elogiou aspectos da organização: "O pessoal soube informar tranquilo onde ficava o atendimento prioritário. Mas apesar de ter melhorado a sinalização, acho que dá para melhorar mais. Mas não demorei em nenhum momento no credenciamento e nas entradas em qualquer um dos dias". Alguns dos entrevistados também elogiaram o acesso aos banheiros e água. De fato, não tive de aguardar para utilizar o banheiro em nenhum dos dias que frequentei a gamescom. Em todos os cantos do evento havia sanitários disponíveis.
Palestras
A gamescom contou com uma porção enooorme de palestras e com a presença de alguns palestrantes PcDs. Algumas das palestras foram muito boas e.... outras nem tanto. Um dos pontos que achei um pouquinho complicado foi a impossibilidade da plateia de realizar perguntas com o microfone ao final. Ao invés disso, o evento contou com um sistema de QR code que nos encaminhava para uma página onde poderíamos escrever questões. Tentei enviar perguntas três vezes em três palestras diferentes e elas não foram lidas ou sequer foram contabilizadas no sistema.
De qualquer forma, em relação às boas palestras, no dia 02, desenvolvedores, especialistas e criadores de conteúdo se reuniram para discutir os perrengues e possibilidades quando o assunto é tornar os games mais inclusivos. Estavam na roda Christian de Castro (AbleGamers Brasil), Gian Franco Catania (Solo Dev), Thais Batuira (Grupo Alura) e o influenciador e dev Wzy (Wesley Amaral Gonçalves Rios).
Logo de cara, todo mundo foi direto ao ponto: acessibilidade não é bônus nem gentileza - é obrigação. Wzy mandou a real sobre como ainda falta muito quando o assunto é acessibilidade nas ferramentas de desenvolvimento. Christian de Castro, da AbleGamers Brasil, puxou a importância de escutar de verdade quem passa por essas barreiras no dia a dia. Thais Batuira trouxe um olhar mais voltado ao mercado e chamou atenção para a falta de estrutura dentro das empresas. Na visão de quem tá com a mão na massa desenvolvendo, Gian Franco Catania apontou que o buraco é mais embaixo. Segundo ele, o problema não é só tecnológico, mas também cultural. O papo terminou com uma mensagem importante: acessibilidade tem que estar presente desde o começo do desenvolvimento, não sendo algo que se “cola por cima” depois.
AbleGamers
Em relação à presença da AbleGamers Brasil na discussão, destaco que é uma organização que atua na interseção entre acessibilidade, inclusão e jogos digitais, com o objetivo de garantir que pessoas com deficiência possam jogar de forma plena e digna. Ela é inspirada na AbleGamers Foundation, dos Estados Unidos, mas com foco nas realidades e demandas do público brasileiro. A organização participa de eventos, painéis e iniciativas para ampliar o debate sobre acessibilidade nos games, reforçando que o acesso a jogos é também uma questão de direito e cidadania, não um luxo. Eles ajudam empresas de games a entenderem melhor as barreiras enfrentadas por jogadores com deficiência e a desenvolverem soluções técnicas e de design mais inclusivas, desde a fase de concepção dos jogos.
A AbleGamers Brasil atua também no fomento da participação de pessoas com deficiência em ambientes competitivos e de criação de conteúdo, como campeonatos de eSports e lives, promovendo ações e ferramentas que ampliem a representatividade. Em alguns casos, a organização também atua facilitando o acesso a tecnologias assistivas (como controles adaptados) e interfaces que permitem que jogadores com limitações motoras, visuais ou cognitivas possam jogar. É realmente inspirador ver o trabalho que a organização tem feito.
No instagram da organização, foi explicitado que estariam no evento prestando auxílio.

Durante o evento andei bastante e por todos os dias com exceção do último, mas confesso não ter encontrado o stand da AbleGamers. Deixo o adendo, contudo, de que pode ter sido culpa do meu TDAH.... Todavia, mais de um dos entrevistados também não encontrou o stand.
Copa PcD

A gamescom também contou com uma copa PcD, idealizada pelos ilustríssimos MachadinhoBR (influenciador e streamer diagnosticado com Atrofia Muscular Espinhal) e Suugehtsu (intérprete de libras referência no mundo dos e-sports)! Infelizmente não pude acompanhar esse acontecimento. No jogo deste ano, os times foram liderados pela Lais e pelo Osuperwill. O time da Lais trouxe os nomes Pirata X, Nozes, Wezz e Senne TV, enquanto a equipe do Osuperwill veio com Maizena, Naninho, Killa e Noobzim.
Sala de Acolhimento
E falando finalmente sobre a famigerada sala de acolhimento PcD, fiz uma entrevista breve e informal com a psicóloga que estava presente na sala no dia 03. Uma fofíssima. Ela foi muito solícita e simpática e deixo claro aqui que a estrutura da sala não tem relação direta com o trabalho prestado pela profissional, que deixou explícita sua capacitação para lidar com o público PcD.

Para começo de conversa, destaco que é essencial que haja um local como a sala de acolhimento em todo e qualquer evento com presença PcD. Trata-se de um critério mínimo. Neste sentido, tratei de analisar a salinha como autista e como psicóloga. Deixo aqui, desde já, meus cumprimentos ao time que estava trabalhando arduamente para atender e acolher. Qualquer pessoa poderia ter acesso livre à sala.
Em relação à sinalização do apoio PcD, a organização talvez tenha deixado um pouco a desejar. Uma das entrevistadas, M., pessoa transfeminina autista e TDAH, afirmou: "Eu não sei se tinha alguma sala de descompressão. Se tinha eu acredito que foi mal sinalizado porque eu não vi nada sobre". Apesar disso, a entrevistada disse que sentiu que o evento foi mais espaçoso que em anos anteriores e que a disposição das praças de alimentação a ajudou a ter sempre um local para sentar e se regular.
Por não ter achado a sala de apoio, M. muitas vezes ia se regular nesses locais: "Tinha alguns momentos com o volume de som muito alto, muito alto mesmo. A gente simplesmente fugia assim. A gente tava indo para um lado no evento, tava aquele som muito alto e a gente pegava e fugia para outro lugar e evitava".
Entretanto, a entrevistada comentou que por vezes não conseguia fugir do som alto nem nas praças de alimentação. Mas voltemos à salinha.
A sala de apoio possuía duas poltronas, copinhos de água e dois fidget toys grandes para ajudar na regulação emocional. Fui informada pela psicóloga que também havia alguns abafadores de ruídos disponíveis (alguns deles podem ser intra-auriculares e outros extra-auriculares). Não sei, no entanto, se o uso dos abafadores estava restrito à sala ou se alguém poderia pegá-los emprestado para usar no evento como um todo. De qualquer forma, levei meu próprio fone com isolamento ativo de ruído e ele foi minha salvação.
A entrevistada M. sugeriu que houvesse distribuição de abafadores de ruído: "Isso ocorre em museus, em estádios de futebol. Tem distribuição de fones, né? Se possível isso... E aí tipo devolvia na saída e tal. Isso seria bem legal."
A sala estava localizada próxima à entrada. Isso, para mim, é um ponto muito negativo. Embora facilite a identificação do local, a entrada é um ambiente com um fluxo muito grande de pessoas e muito barulho. Considerando que a sala não possuía nenhum tipo de isolamento acústico, o barulho ainda poderia ser intenso em seu interior. Neste caso, seria essencial usar o abafador de ruído caso o barulho fosse um estímulo aversivo. Perguntei à profissional sobre a iluminação da sala e ela me informou que infelizmente não tinham controle sobre sua intensidade. A luz permanecia acesa o tempo todo. Seria muito benéfico se esta pudesse ser apagada ou ao menos que sua intensidade pudesse ser reduzida. Perguntei à psicóloga se ela saberia me informar os motivos pelos quais tais detalhes não foram considerados e se era alguma questão de verba. Ela me informou que não tinha acesso a estes detalhes.
A meu ver, a sala de acolhimento poderia estar localizada em local mais próximo aos palcos de palestras (de 1 a 4) pelo maior silêncio do ambiente. De qualquer forma, vi ao menos três pessoas utilizando o recinto. No entanto, infelizmente, para mim, foi mais acolhedor usar a sala da imprensa para me regular que permanecer na sala de acolhimento disponibilizada pelo evento. A sala da imprensa estava em um local mais vazio, distante e silencioso. Levei meus próprios fidget toys ao evento e tive algumas crises no sábado, dia 03. Conversando com mais dois amigues autistas, recebi o mesmo relato de crises ocorrendo ao longo desse dia. Alguns deles foram se regular fora do evento. Também obtive relatos de outras pessoas, não necessariamente PcDs, que tiveram dores de cabeça intensas ao longo do evento.
Ume dos entrevistades, N., pessoa autista, TDAH e não binárie de 34 anos, disse que teve fortes crises no sábado e demonstrou seu descontentamento com a acessibilidade do evento: "Achei horrível, zero inclusiva". N. foi se regular na área B2B (business to business) e precisou tomar medicações para se acalmar. Conversando com os entrevistados, fica nítido que alguns dos recursos de apoio PcD não ficaram claros para os visitantes e palestrantes.

Não tenho como avaliar o evento em termos de acessibilidade para outras deficiências relacionadas à mobilidade, visão e audição e minha perspectiva aqui se resume a ser uma psicóloga e UX Researcher autista. No entanto, espero que a organização possa utilizar esse e outros feedbacks para talvez aprimorar ainda mais o serviço de acolhimento em anos posteriores. Como UX Researcher, garanto que ouvir o público-alvo de um serviço é uma das formas mais eficientes de garantir que o serviço será utilizado e apreciado.
Talvez fosse interessante pensar, caso seja possível em termos de custos, na possibilidade de mais de um ponto de acolhimento. O evento é muito grande e ter de se deslocar de uma ponta a outra em crise pode ser desesperador. Pensar na possibilidade do aluguel ou venda de abafadores de ruído também poderia ser interessante. Enfim, estou ansiosa para ver como será a edição do ano que vem em relação a estes aspectos.
Excelente matéria! Infelizmente também tive uma péssima experiência geral com o evento. Apesar de distribuírem abafadores descartáveis e ter uma sala de descompressão, o barulho do evento era alto demais, e não havia nenhum isolamento sonoro além das paredes de plástico.
Mas o pior pra mim mesmo foi não encontrar nenhuma sinalização ou orientação de fila preferencial; Fiquei horas em filas até que ser informade por outra visitante com TEA de que havia fila preferencial, e mesmo depois, quando perguntava aos expositores dos estandes, muitos deles só me redirecionavam para a fila comum.
Além disso havia muita comunicação falha: Cada funcionário da Nintendo falava que a sacochila iria ser reposta numa hora diferente, expositores da TNT mencionavam que iriam distribuir…