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Game Designer ou Antropólogo? Conheça o Design Participativo!

  • Foto do escritor: Livia Scienza
    Livia Scienza
  • 5 de jun.
  • 4 min de leitura

Você não precisa ser protagonista de um jogo de aventura para ser um aliado de outras culturas!


Oiiee, eu de novo. Na última matéria que fiz aqui pro Controlão, falei um pouquinho sobre onde podemos encontrar Psicologia dentro dos games. Como assim você ainda não leu? Leia imediatamente! Depois você volta aqui.


Já leu? Muito bom! Me dá um high-five aqui. Agora você me pergunta: “Tá, Livia. Mas por que você voltou aqui pra falar de Antropologia então?”. Excelente pergunta, jovem gafanhoto.


Nem só de Psicologia vive uma pesquisadora psicóloga de games, mas de várias outras disciplinas relacionadas também. Afinal, já comentei por aqui que jogos são interdisciplinares por natureza.


Além de pensar em escolhas óbvias como Assassin’s Creed, Uncharted, Tomb Raider ou outros games com temáticas sobre outras civilizações, você já refletiu sobre como jogos independentes podem fazer uso da Antropologia?


Pois é! Hoje venho aqui falar sobre 3 jogos que usaram um método da antropologia em seu desenvolvimento. Mas antes preciso te explicar um pouquinho sobre o que é uma etnografia.


Métodos da Antropologia


A etnografia é um método de pesquisa que busca entender como as pessoas vivem, pensam, se relacionam e constroem significado no seu dia a dia. Para isso, o pesquisador ou pesquisadora mergulha no ambiente do grupo que está sendo estudado — seja uma comunidade indígena, um grupo de gamers, ou até mesmo jogadores de um MMORPG — observando e participando das suas rotinas, conversas e práticas culturais. Em vez de apenas entrevistar ou aplicar questionários, a etnografia valoriza o contato direto, a escuta atenta e a convivência prolongada com as pessoas.


E é aqui que entra um outro método de design: o design participativo. Design participativo é uma abordagem de criação em que as pessoas que vão usar ou ser impactadas por um produto participam ativamente do seu desenvolvimento. Em vez de se criar tudo para elas, o processo é feito com elas, desde as primeiras ideias até os testes finais.


Isso significa que comunidades retratadas no jogo, jogadores de nichos específicos ou grupos sociais envolvidos na temática do game são convidados a colaborar, opinar, sugerir mudanças e até cocriar partes do projeto. Não são apenas fontes de informação, mas parceiros criativos.


Esse tipo de design é especialmente importante quando o jogo trata de temas sociais, culturais ou políticos, pois ajuda a evitar estereótipos e representações rasas, criando uma experiência mais rica, respeitosa e significativa.


Tudo fica mais didático com exemplos concretos, não é mesmo? Então bora falar sobre alguns games independentes que fizeram uso dessa técnica!


Mulaka


Baseado na mitologia e nas tradições dos Rarámuri (ou Tarahumara), povo indígena do norte do México, Mulaka é um jogo de ação que transforma narrativas ancestrais em jogabilidade. Criado em colaboração com líderes e anciãos Rarámuri, o game incorpora deuses, criaturas míticas e saberes tradicionais em sua estrutura narrativa e visual. Ao assumir o papel de um Sukurúame (xamã), o jogador não apenas enfrenta desafios, mas também adentra um universo espiritual indígena raramente representado no mainstream dos games.


Never Alone (Kisima Ingitchuna)


Co-desenvolvido com o povo Iñupiat do Alasca, Never Alone é um marco em jogos que valorizam o conhecimento indígena como potência narrativa. Através da história de Nuna e sua raposa ártica, o game de plataforma revive contos orais transmitidos por gerações. Vídeos documentais com os próprios anciãos e membros da comunidade Iñupiat acompanham a experiência, criando um jogo que é um registro etnográfico. É um exemplo de como jogos podem ser usados para preservar línguas, cosmologias e modos de vida ameaçados.



Os vídeos abaixo podem ser encontrados dentro do jogo ao longo da narrativa. Caso não queira spoilers, não os assista.




Huni Kuin


Desenvolvido com e pelos Huni Kuin do Acre, este jogo brasileiro é uma ode interativa à cosmologia desse povo da floresta. Yube Baitana (“O Caminho da Jibóia”) é uma jornada sensorial que transmite cantos, rituais e saberes espirituais por meio de uma estética psicodélica inspirada nas visões da ayahuasca. Aqui, o gameplay é quase um ritual de passagem: você não "vence", mas vivencia. É uma forma contemporânea e digital de oralidade — onde o game preserva e difunde a espiritualidade, a medicina tradicional e os mitos de origem dos Huni Kuin.



O jogo teve a participação de antropólogos e de indígenas do povo Huni Kuĩ. Há um artigo acadêmico que aborda todo o processo de co-criação do game com o povo.


Outras formas de Design Participativo


Apesar de os exemplos trazidos acima serem sobre povos, as etnografias e design participativos também podem ser aplicados e utilizados em vários outros contextos como com comunidades de surdos (vejam os estudos da maravilhosa Profa. Ludmilla Galvão), populações LGBTQIA+ e indivíduos com vivências muito específicas.


Basta de jogos desenvolvidos por pessoas que não entendem absolutamente nada daquilo que querem retratar em seu jogo. Um game design inconsequente no qual os devs acreditam conhecer tudo sobre a causa ou o grupo que retrata (sendo que não fazem parte de tal causa ou grupo) apenas propaga estereótipos.


Não importa o quão bem intencionados estejam os desenvolvedores, caso queiram abordar temáticas sensíveis que envolvam grupos específicos, o mais indicado sempre será contatar elementos de tal comunidade e se inserir em sua cultura com a humildade de quem é de fora. Melhor ainda se os elementos de tal comunidade puderem participar ativamente do desenvolvimento.


Mas me fala aí! Você conhece outros jogos que fizeram uso de design participativo e etnografias? Deixe aí no comentário pra gente!


Espero que tenham gostado de mais uma matéria :) Fiquem atentos porque eu RETORNAREI! Um abraço e um cheiro.

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