Onde está a Psicologia nos Games?
- Livia Scienza

- 20 de mai.
- 4 min de leitura
Os games são interdisciplinares. São sim! Para mim, essa é uma das maiores belezas desses artefatos culturais que tanto nos divertem e nos ensinam. Dentro dos jogos temos antropologia, história, computação, artes visuais, engenharias, geografia, biologia e tantas outras disciplinas lindíssimas. É claro que, como psicóloga, não poderia deixar a Psicologia de fora do pacote.
Se você é psicólogo, estudante de Psico ou entusiasta da área talvez já saiba que não há apenas uma Psicologia (assim, no singular). Temos PsicologiaS, com inúmeras teorias e bases filosóficas distintas.
A questão é que todas essas distintas abordagens podem contribuir imensamente para a nossa compreensão dos jogos, sejam eles digitais, analógicos ou jogos de faz de conta como os performados por crianças (e adultos, convenhamos que não há idade para brincar). Mas sem mais delongas, deixo aqui 4 formas em que a(s) Psicologia(s) podem ser encontradas dentro dos amados e queridos games!
1. Narrativas
Quando se trata do desenvolvimento de narrativas, a Psicologia pode contribuir demais para o desenvolvimento de personagens críveis e cativantes, histórias emocionalmente envolventes e experiências imersivas. Entender como prender a atenção do jogador também é analisar e compreender processos cognitivos e emocionais, que ajudam a moldar roteiros que provocam empatia, curiosidade ou tensão nos momentos corretos. Ora, personagens também possuem medos, inseguranças, sonhos, traumas e personalidades. São estas características que nos fazem amar ou odiar profundamente um personagem. Neste sentido, criadores narrativos e roteiristas podem beber de várias disciplinas, mas a Psicologia certamente é uma delas.

Caso uma narrativa queira abordar temas delicados como morte, luto, suicídio ou saúde mental, seria imprescindível que profissionais e especialistas fossem consultados. Aliás, POR FAVOR consultem especialistas. Tenho certeza de que, como eu, há inúmeras pessoas por aí mais que dispostas a fornecer consultoria com seus conhecimentos específicos. No jogo Hellblade: Senua’s Sacrifice, especialistas de saúde mental foram consultados para que a representação da Esquizofrenia da protagonista fosse acurada.
2. Criação de Personagens
Temos muitos e muitos estudos por aí sobre o impacto da customização na criação de vínculo entre os jogadores e seus avatares digitais. Você sabe quais opções de customização são as mais relevantes para seus jogadores? Jogos como The Sims e Inzoi são atemporais justamente pela grande possibilidade de criação de personagens. Você pode criar sua namorada no jogo ou.... criar uma versão alienígena do Nicolas Cage. Quem sabe?

E caso seu jogo não tenha avatares customizáveis, você sabe quais são as opções de design de roupa, cabelo e cor que tornariam seu personagem mais impactante ou mais dentro de um determinado estereótipo como “o rebelde”? Como dar vida ao seu mundo narrativo e permitir que os personagens cresçam como pessoas dentro desse mundo? Como desenvolver arcos de conflito entre personagens com personalidades diferentes?
Use e abuse da Psicologia, jovem gafanhoto! Leia, estude, procure especialistas.
3. Games User Research

Você já viu meu post “Por quê o meu Player Joga?”. Se ainda não viu, corre lá dar uma olhadinha! Mas para resumir para você, a psicologia pode nos auxiliar a compreender as motivações, desejos, medos e interesses dos nossos jogadores para que possamos criar narrativas e mecânicas mais envolventes que façam os usuários se sentirem contemplados e vistos.
Através de alguns métodos qualitativos e quantitativos oriundos da ciência psicológica como entrevistas e formulários, podemos prever comportamentos de jogadores, medir o quanto o jogo está balanceado e construir fases mais eficientemente, por exemplo. A psicologia também fornece inúmeras ferramentas de testagem do jogo com usuários reais, o que é ESSENCIAL em todas as etapas de desenvolvimento para evitar bugs.
4. Game Design e Balanceamento
Notou que falamos sobre balanceamento no tópico anterior? Pois é! Aqui darei o exemplo de Curvas de Aprendizagem e do conceito de Scaffolding para você entender a quão necessária é a psicologia para um Game Design bom.
Você sabia que pessoas aprendem em ritmos diferentes e de maneiras distintas? Alguns jogadores preferem tutoriais bem detalhados e outros preferem a adrenalina de ser lançado em um mapa tendo que descobrir os controles por conta própria. Basicamente, em um determinado tempo, uma pessoa aprende mais ou menos rapidamente um novo controle ou conceito, como na imagem abaixo.

No entanto, caso você deixe um tutorial ou uma curva de aprendizagem fácil demais, seu jogador pode se entediar rapidamente. Pelo contrário, caso seja difícil demais aprender a jogar seu game, os players podem ficar frustrados e desistir. Saber balancear a curva de aprendizagem para sua persona jogadora é essencial para manter o interesse do player enquanto apresenta desafios de maneira gradativa. É justamente nesse limiar entre a tensão da dificuldade, o interesse e o tédio de já saber demais que entra o conceito de flow (vamos deixar isso para outro momento).

É aqui também que entre o conceito de scaffolding (do inglês scaffold: andaime) que possui bases em teorias como as dos psicólogos do desenvolvimento Piaget e Vygotsky. Nos games, o “scaffold” consiste em dicas (que podem ser visuais, sonoras ou textuais) que guiam o jogador e lhe apresentam o caminho a seguir. Um scaffolding pode ser mais discreto como uma escada com um brilho a mais ou mais gritante como uma seta gigante apontando um objeto.
Embora muitos jogadores possam reclamar de dicas visuais que consideram muito explícitas, para outros usuários talvez a tarefa de cumprir uma missão se tornasse impossível sem uma dica como um ponto em formato de estrela no mapa.
Há outros conceitos importantes que poderíamos abordar como imersão, flow e sistema de recompensas, mas os deixaremos para outro post, okay? Contem-me se quiserem uma parte 2! :D
Espero que tenham gostado desse post! Se curtiram, compartilhem com os colegas devs, jogadores e entusiastas do game design!
Valews, Falows!










Vim ler pela indicação da Easy Game Jam e agora sei o que é scaffolding.
Material muito bom, quero mais!
Queremos parte 2 por favor! Imersão, flow e sistema de recompensas. Você é incrível, Livia. Texto super bem escrito e didático. Não tem como não querer ler até o final. Admiro muito e sou fã 🧡