Acessibilidade na BGS 2025 na perspectiva de uma autista
- Livia Scienza
- há 1 dia
- 7 min de leitura
Luzes piscando, cores e mais cores, pessoas falando sem parar e se apertando, apresentadores gritando. Como sobreviver a grandes eventos sendo autista?

Oi oi! Aqui quem fala é sua Psicóloga UX Researcher autista TDAH de sempre trazendo em primeira mão a famigerada matéria sobre acessibilidade em eventos. Dessa vez vamos falar da BGS 2025.
Caso queira saber mais sobre os games indie do evento, saca só a matéria do TOSO sobre isso!
Aqui vamos falar da minha experiência como TEA na BGS, mas também considerar outras experiências. Afinal, cada experiência é única e o evento teve a visita de inúmeros PcD com necessidades variadas.
Filas PcD
Tããão bom ficar horas e horas esperando por uma ativação de marca, não é? Ou para apertar a mão de alguém famoso.
Nesse sentido, alguns estandes "deixavam claro" que possuíam filas preferenciais e outros.... nem tanto. Alguns relatos espalhados pela internet afirmam que houve despreparo e até comentários rudes por parte de alguns integrantes do staff quando se tratava de "solicitar" preferência (que é um direito).
Eu e minha esposa utilizamos a fila preferencial para tirar foto com os meninos do time de Free Fire da Pain e fomos as primeiras.

Todavia, entretanto, porém.... Na fila preferencial para entrar no evento em si, pessoalmente achei um grande avanço em relação a outros eventos de grande porte. Eu entrei pela imprensa todos os dias e me arrependi disso algumas vezes. No último dia, cheguei bem cedo e já havia um aglomeração de cosplayers, VIP e jornalistas.
Ao abrirem os portões, nos reencaminharam para outra região dentro do evento, porém permanecemos fechados. Virou uma grande muvuca de cosplayers gritando e pulando e ahhh como me arrependi. Infelizmente, estava sem meu fone redutor de ruídos. Dá uma olhadinha na vibe da galera super empolgada no vídeo:
Fica a dica para a galera da imprensa que também é autista: prefira sempre a entrada PcD.
Staffs PcD
Havia staffs capacitados para conversação em libras e muitos, muitos staffs cadeirantes e com o colar de autismo ou de girassol espalhados pelo evento. Tendo um Ciptea ou uma documentação válida em mãos, você podia facilmente entrar no evento com um acompanhante através da fila preferencial na entrada designada.
Alguns dos visitantes disseram que sentiram faltas de um intérprete de libras em cada um dos estandes maiores.
Espaço de Descompressão
No último dia do evento (domingo) saí em uma quest: encontrar o espaço de descompressão que sequer sabia se existia. Não vi sinalização alguma em todos os dias que fui, um ponto negativo do evento. Achei um posto de emergência e perguntei aos rapazes que estavam ali se tal local existia e onde ficava. Eles me deram algumas instruções e me alertaram "está BEM cheio". Eu sorri compreensiva e respondi que era compreensível dado o nível de estimulação de um evento do porte da BGS.
Segui as instruções dos moços e finalmente encontrei a estrutura no canto do evento, em um local mais isolado e mais vazio. A localização fazia sentido, dado que uma sala desse tipo precisa garantir o máximo de silêncio que for possível dentro de um evento com uma multidão massiva.
Quando cheguei, havia algumas pessoas com roupas pretas conversando com outras. Posteriormente descobri que os encarregados pelo espaço estavam conversando com pessoas responsáveis pela CCXP (Comic Con Experience). Cheguei aos pouquinhos e registrei o espaço do lado de fora para vocês.

As sinalizações em cartazes pretos deixaram o espaço mais identificável. Caso contrário a única identificação seria como a de baixo:

Ao conversar com o pessoal que estava em frente ao espaço, descobri muitas e muitas informações interessantes. A empresa responsável é de Guarulhos: A FONOSIM Especialidades Terapêuticas. A equipe conta com um time multidisciplinar bastante preparado e informado para trabalhar com o TEA e outras deficiências.
"A clínica Fono Sim colocou em prática seus projetos de multidisciplinaridade e intervenção social em 2011, com atendimentos de Fonoaudiologia Clínica. Em 2017, ampliou o foco de atendimentos para todas as especialidades : Fisioterapia, Psicologia, Terapia Ocupacional, Psicopedagogia, Psicomotricidade, Musicoterapia e Fonoaudiologia, formando uma equipe integrada". (Ana Carolina, Coordenadora da Clínica)
Ao entrar, percebi de imediato as luzes reduzidas e coloridas que já de cara me deixaram mais calma. Havia várias lâmpadas dispostas na estrutura superior do espaço. O local não era totalmente fechado na parte de cima, mas me informaram que foi uma demanda do evento por questões de segurança.
Ao perguntar quantas pessoas mais ou menos o espaço comportava, afirmaram que cerca de 10 a 12 pessoas por vez. O tamanho do local foi definido pela BGS. Em edições posteriores, seria muito bom que o espaço fosse maior. Também afirmaram que receberam pessoas de faixas etárias muito distintas (afinal crianças autistas crescem e viram adultos, viu planos de saúde?).

Fui informada de que o dia com maior demanda foi a sexta-feira, embora os ingressos tenham se esgotado para o sábado. Criei a hipótese de a maioria dos autistas já estarem cientes da superlotação do sábado, optando ir em um dia supostamente não tão cheio. Também disseram que muitos cosplayers buscaram o espaço.

Além da luz reduzida e colorida, o espaço possuía diversas estruturas e aparatos interessantíssimos. muitos deles foram construídos pelo marido da CEO, um engenheiro bastante empolgada e apaixonado pelo trabalho da equipe.


Quando perguntei discretamente sobre o valor que receberam e se era justo, descobri para minha ingrata surpresa que estavam ali de forma VOLUNTÁRIA. Fiquei chocada porque claramente investiram MUITO na identidade visual das camisetas, das placas de sinalização e brindes.
Além de não terem recebido pelo serviço, a empresa teve que arcar com a própria alimentação e com os custos de levar todas as estruturas e equipamentos até o evento (caminhão, montagem). No entanto, afirmaram estarem gratos pela cessão do espaço e pela oportunidade de divulgar o trabalho oferecido.
Deixo aqui um apelo para que os sigam nas redes e considerem fortemente os recomendar para outros eventos, preferencialmente eventos dispostos a pagar pelo trabalho incrível que fazem com tanto esmero, profissionalismo e carinho.
Agradeço imensamente por toda a atenção que me deram e por toda a simpatia. São pessoas iluminadas, definitivamente.
Até recebi mimos diretamente da Sandra ;) Olha que cuidado (fizeram uma arte apenas para o evento):

Espero do fundo do coração que possamos levá-los a MUITOS e MUITOS eventos.
Transladado
E na hora de ir embora do evento? Uma jornada à parte!
Caso o visitante deixasse para ir embora nos horários de pico (principalmente no final do evento pela noite) enfrentaria preços altíssimos de uber e 99, além de uma grande muvuca de pessoas cansadas e impacientes querendo apenas chegar em suas casas ou airbnbs pra tirar o cheiro de nerdola do corpo.
Havia, todavia, outra opção: os ônibus disponibilizados pelo evento de forma gratuita que buscavam e deixavam os visitantes perto da estação Tietê de metrô.
No sábado, cometi mais um erro de ficar até o final do evento e quando saí havia uma TSUNAMI de pessoas indo para a fila do busão. Eu, com meu colar de autista, fui logo procurar a fila preferencial (sim, ela existia) para esperar com minha esposa e meu digníssimo irmão.
Ficamos cerca de uma hora e vinte minutos na fila PREFERENCIAL. Não consigo nem calcular quanto tempo levou a fila padrão. Fizemos até amizade no meio da fila com cosplayers gente boníssima que também contaram causos de outros PcD ao longo do evento que incluíam desrespeitos de staffs a staffs duvidando do diagnóstico de visitantes.
Outras Experiências
Obviamente, minha experiência é apenas uma das milhares entre os visitantes PcD da BGS 2025. Por este motivo, fui atrás de outros relatos disponíveis nas redes sociais. Deparei-me com comentários positivos como o da usuário do X @fragaax e @wtal_08.


No entanto, também houve comentários mistos sobre o evento no geral, porém elogiando a acessibilidade:

Outros visitantes redigiram textos mais elaborados, como o relato do influencer Machadinho e de um usuário do X, Noobzim.




O que fica de tudo isso?
Pessoalmente vejo que houve muitos avanços em termos de acessibilidade e em relação a outros eventos de grande porte. No entanto, ainda falta algum treinamento para staffs que não estão acostumados com o público PcD.
Acredito que seja realmente complexo pensar na logística considerando a totalidade da diversidade dos visitantes, mas a partir do momento que ingressos gratuitos são disponibilizados para PcD, a jornada para aprimorar a experiência desse público se inicia. A começar pela melhor sinalização da sala de descompressão.
Ter staffs PcD é um grande começo, mas seria muito muito necessário ter PcD dentro de cargos importantes na organização do evento. Ou, ao menos, consultores PcD para orientar a organização.
O que fica nítido também é que algumas marcas estão mais preparadas e se importam mais que outras com os nossos direitos. Além do preparo do evento em si, marcas interessadas em comparecer deveriam fazer o trabalho semelhante de terem consultoria.
O fato de termos cada vez mais influencers grandes diagnosticados pode contribuir para que tais marcas se importem com a temática. Afinal, algumas marcas estão claramente mais interessadas em youtubers e pessoas famosas que em seus consumidores e fãs.
Remunerar justamente os responsáveis pelo cuidado com os visitantes PcD também é uma necessidade urgente. Não é porque se trata de um serviço de cuidado e empatia que ele deixa de ser um trabalho altamente especializado.
Digo isso não apenas como Psicóloga cansada de ver o trabalho de cuidado ser menosprezado, mas como autista e pesquisadora que sabe o quanto o mercado está saturado de clínicas "especializadas em autistas" que fazem desserviços à comunidade. Neste cenário, encontrar um serviço tão cuidadoso e zeloso quanto o da Clínica Fonosim é algo que deve ser apreciado e reconhecido (e não apenas com um "muito obrigado", mas monetariamente.
O trampo que ocorre nos bastidores dos staffs, seguranças, trabalhadores de estandes, lojistas, faxineiros (e jornalistas) mantém o evento rodando. Gostaria muito de entrevistar esses heróis em outros eventos.
Enfim, meus amades, como sempre... Eu voltarei! E voltarei sempre tentando dar voz aos aspectos que passam tão despercebidos pela maioria.
Tamo juntooo! Compartilha essa matéria e deixa seu relato aqui!
Bjos de luz!
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