Uma Game Jam no Meio da Mata Atlântica?? Bird Game Jam – Legado das Águas
- Livia Scienza
- 28 de jul.
- 8 min de leitura
Atualizado: há 4 dias
Um PASSARINHO me contou que rolou muito jogo bom nessa jam ANIMAL
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Vou contar um segredo pra vocês. Eu nunca havia feito parte de uma game jam como participante. Até agora! Já havia sido avaliadora, mentora e até mediadora de conflitos. Mas dessa vez coloquei a mão na massa junto com um time INCRÍVEL (sério, sou fã). Também fiz meu trabalho de jornalista em off e de fotógrafa amadora porque o Controles não brinca em serviço. Todas as fotinhas dessa matéria foram tiradas por essa que vos fala.
Em minha primeira jam como participante fui parar.... Advinha? No meio da Mata Atlântica! “Ué, mas o quê game devs foram fazer no meio da floresta?”. Boa pergunta!
A resposta para esta pergunta é IMERSÃO. A Bird Game Jam, em sua última edição, foi sobre voar junto com as aves, contando com a ajuda de especialistas biólogos e mentores capacitados. E spoilers: a organização se superou demais! Já deixo aqui um salve e minha gratidão ao time responsável por todo o planejamento e execução da jam.
Em off, eu fiquei tão empolgada quando soube que minha inscrição havia sido aprovada que criei uma playlist com músicas eletrônicas com sons de natureza e pássaros pra me inspirar (se você curte eletrônica confere lá).
Estrutura
O caminho até a reserva foi uma aventura à parte. Todos os participantes se encontraram na rodoviária Tietê para pegarem duas vans. A estrada foi tranquila.... Até não ser mais. O caminho de terra nos proporcionou muitas risadas e batidas de cabeça, parecíamos um pacote de pipoca estourando. Mas valeu muito à pena, viu?
Para uma jam, estrutura é essencial. O Legado das Águas é a reserva de preservação da Mata Atlântica que nos abrigou por 4 dias. A pousada conta com inúmeras casas com vários quartos e camas. Os participantes e seus mentores foram divididos em casas: 2 times de três pessoas em cada uma.

Confesso que fui para a jam sem expectativa nenhuma (no sentido de não ficar pensando muito em como seria, mas imaginava que seria muito divertido), afinal a organização foi muito enfática em nos perguntar inúmeras vezes se realmente queríamos ir (existe muitos riscos em se aventurar na mata, não é mesmo?).
Viemos ao final de julho, enfrentando um friozinho de 13 graus. No entanto, tivemos acesso a cobertas de microfibra, edredons, travesseiros e toalhas. Quer mais??? Refeições inclusas e caminhadas guiadas pela manhã e noite. A qualidade de tudo isso me surpreendeu absurdamente a ponto de não querer ir embora.

Durante nossas caminhadas guiadas choveu levemente. Mas nem isso foi suficiente para tirar a empolgação da galera em fazer várias perguntas ao guia sobre a fauna e flora. Vimos rastros de antas, ouvimos cantos de inúmeros pássaros e avistamos macacos se alimentando de palmeiras.

Mas e o acesso à energia e internet? Já pensou um jam sem internet? Tivemos cobertura para isso também! Sim, internet na mata!
A Jam em si foi realizada em um auditório espaçoso (e coloridaço igual os passarim) com várias mesas distribuídas para os grupos. Cada mesa possuía uma régua de tomadas. No primeiro dia, tivemos algumas intempéries com a internet. Os participantes tiveram que ir usar a internet no refeitório. No entanto, isso logo se resolveu. A organização deixou claro nas instruções que a internet deveria ser utilizada para o download de assets menores e para o upload do game finalizado.

Nesse caso, softwares mais pesados e outras ferramentas deveriam ter sido baixados antes de chegarmos à pousada. Um grupo foi criado no ZAP e os participantes, mentores e organizadores deram dicas uns aos outros sobre o quê baixar antes da empreitada.
Espaço de Descompressão
Quem já leu algumas de minhas matérias sabe que eu sou autista e TDAH e que geralmente comento um pouquinho sobre questões de acessibilidade para TEA.
Já no formulário de inscrição, a organização perguntava se o participante era PcD e se precisava de algum tipo de suporte. Além de trazer minhas ritalininhas, deixei claro que seria ótimo ter um espaço mais silencioso (embora sempre ande com meu fone redutor de ruídos).
A organização foi atenta nesse sentido. Assim que chegamos, fizeram questão de nos mostrar o espaço de descompressão: um sala-museu com local para sentar, fresca e silenciosa.

Particularmente não tive que recorrer à ela, mas poderia ter precisado. Como a jam nos permitia transitar livremente, quando me sentia um pouco sobrecarregada apenas ia dar uma volta ou me sentar em um local com menos pessoas.
Também nos perguntaram sobre alergias e outras questões como intolerâncias alimentares e nosso tipo sanguíneo. Ao chegarmos, tivemos de assinar alguns termos de cuidado com nossa própria segurança.
Mentores Especializados
Além dos maravilhoses mentores de arte, música, programação e UI/UX, contamos com mentores especialistas em aves, como a divulgadora científica Ju dos Passarinhos, que conta com mais de 70 mil seguidores no instagram.

Tivemos uma multiplicidade de materiais à nossa disposição, fora o ambiente completamente rodeado de espécimes da fauna e flora. Fiz questão de trazer minha câmera para tirar muita foto para usar como referência e para guardar no coração.

Pesquisa Científica da Reserva
Variadas pesquisas de preservação são conduzidas na Reserva Legado da Águas. Os participantes tiveram o privilégio de conhecer algumas delas de pertinho, ouvindo pesquisadores contar de forma muito apaixonada suas aventuras acadêmicas. Dois deles são o pesquisador Eduardo Alexandrino e a pesquisadora Taynara Cristine Bessi que há anos vêm investigando o impacto de comedouros expostos ao ar livre nos hábitos dos pássaros do local.

Eduardo nos contou como as pesquisas sobre impactos de comedouros ainda são escassas aqui no Brasil e muitos dos dados vêm da América do Norte. Para estudar os espécimes, indivíduos são anilhados (usam pulseiras) com cores diferentes para serem identificados ao longo do tempo. Os visitantes que chegam à reserva podem tirar fotos destes indivíduos e responder formulários para auxiliar no projeto intitulado Ciência Cidadã. O estudo destes pássaros foi intitulado de "Pássaros Usando Pulseiras?!".

Outra pesquisa de preservação da Reserva é a de manutenção das espécies da flora. Ao visitar o Legado das Águas, é possível comprar exemplares dos elementos nativos da Mata. Eu mesma não me contive ao ouvir a lore narrativa de uma das espécies e tive que trazer uma comigo. Trata-se de uma espécie de orquídea que, segundo o guia, não era encontrada no Estado de SP há 70 anos. Ao encontrarem mudas, a Reserva passou a cultivar para depois devolver à natureza.

A Rotina
Muitos dos participantes viraram a noite. Outros escolheram descansar mais no período da madrugada, indo dormir. Eu mesma virei o dia duas vezes. Por ser uma jam um pouquinho mais extensa que a maioria, foi possível trabalhar com sangue nos olhos, mas também conversar, trocar ideia, apreciar a beleza do lugar e descansar entre sessões de trampo.
Tivemos horários pré-estabelecidos para todas as atividades organizadas como caminhadas, alimentação no refeitório e palestras. Nesta edição da jam, mentores também foram participantes. Cada equipe contou com um mentor e dois outros participantes. No entanto, muitos dos mentores caminhavam entre as mesas oferecendo auxílio ou por terem sido chamados para avaliar algum aspecto dos games sendo criados.

Durante a noite, a partir das 20hrs, tivemos café disponível. Entre as refeições, muitos de nós comemos as coisinhas que levamos para a jam. Como eu sou muito birl (mentira), levei várias barrinhas de proteína. Não recorri muito ao café (mas comi demaaaais porque a comida das refeições era tudo).
Os participantes por vezes pegavam seus notebooks, mesas ilustradoras ou MIDIs (Musical Instrument Digital Interface) e iam para outros lugares para buscar inspiração. Muitos optaram por trabalhar perto do comedouro, local onde muitas aves transitavam o tempo todo. Outros, ainda, usaram da criatividade para criar seus ambientes de trabalho, como usar um estande.

Apresentação dos Games
A manhã de domingo se iniciou devagar. Muitos dos participantes escolheram dormir e descansar até mais tarde. Alguns já haviam finalizado seus games, precisando apenas dar aquela polida. Outros optaram por virar a noite e sequer dormiram.
Na madrugada do sábado para domingo, alguns dos participantes fizeram uma espécie de "happy hour" improvisado, com direito a cerveja e até mesmo vinho. Foi um momento de descontração ante do grande dia de apresentação final dos games. As apresentações foram sendo feitas informalmente entre os times durante toda a jam. Vez ou outra algum biólogo da Reserva também aparecia para ver como os jogos estavam ficando.
Um dos biólogos da equipe da Reserva (já referenciado aqui), Eduardo, quase chorou ao ver alguns dos jogos que abordam seu estudo. Os participantes disseram à ele que é uma das formas de retribuir todo o trabalho que ele faz. Eduardooo se você estiver lendo aqui, você é o cara! Essa é uma das recompensas de fazer jogo de divulgação científica que valorizem o trabalho e estudo de cientistas sérios. Muitas vezes esses heróis não recebem o crédito que merecem.

Vale ressaltar que o clima durante toda a jam foi de muita camaradagem e ajuda mútua. Palavras de afirmação podiam ser ouvidas o tempo todo, com participantes elogiando o trabalho dos colegas de outros times e dos próprios times. Durante a apresentação dos games finalizados, a mesma vibe reinou. Todes ficaram genuinamente muito impressionades com os trabalhos.

O nível de programação, música, arte, modelagem e game design dessa edição final da jam foi muito alto. Afinal, praticamente todos os participantes já têm experiência com desenvolvimento (alguns dentro de estúdios ilustríssimos).
Foram 4 dias (do dia 24 a 27 de julho) de muita aprendizagem, diversão e desenvolvimento sério. Além de criarmos games, tivemos aulas sobre a fauna e a flora.

Quem sabe em uma próxima matéria eu conte especificamente como foi criar o nosso jogo "Legado das Aves"? Nosso time foi composto por e programadore FENOMENAL Mila Milanese da Miris Arcana e a artista mentora FORTÍSSIMA Vic Motta da Vortex. Fiquei até sem jeito maluco.
[Vejam vejam imediatamente o jogo Le Fol e o game Turi-Kaapora e coloquem na wishlist da steam]
Como é de praxe, muitos participantes de jams acabam aprendendo novas skills ao longo da maratona ou aprimorando as que já têm.
No meu caso, trabalhei criando não apenas o fluxo de UX, mas também a UI. E quer saber? Eu AMEI. Mila, do nosso time, também aprendeu a implementar UI na Unity e disse que adorou!
Fui preparada para fazer música do zero, mas infelizmente não haveria tempo hábil. Saber definir o escopo do projeto também faz parte de ser dev, hein? E nesse sentido aprendi muito nessa jam.
Não deixe, de jeito algum, de conferir todos os jogos de todas as edições!
Espero, do fundo do meu coração, que mais jams possam se alinhar á divulgação científica e possam se inspirar na iniciativa FENOMENAL da organização. A Bird Game Jam foi construída por muitas mãos e teve um design maravilhoso que levou meses para ser elaborado. É pra aplaudir em pé. Levou o sarrafo das jams lá nas alturas onde os pássaros brincam.
Minha gratidão a todes envolvides. Escrever essa matéria é uma honra.
Pra finalizar deixo essa foto que tirei de dois araçari banana :) (AGORA EU SEI O NOME DE VÁRIOS PASSARIM TÁ?). Fiquem espertos porque eeeeu voltarei!
Uma matéria sobre cada um dos games dessa edição já está em produção!

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