De Pixels às Plantas: Repensando a Natureza Através dos Games
- Livia Scienza
- há 1 dia
- 11 min de leitura
Atualizado: há 4 horas
Que tal começarmos a plantar mais jogos de conscientização ambiental? Conheça a Ecopsicologia e como ela se aplica aos games!
[Sup? If you don't speak portuguese, you can read an english version of this article right here, ma dude]
Em uma era em que tanto as crises climáticas quanto o escapismo digital fazem parte do nosso cotidiano, alguns pesquisadores estão se voltando para um espaço inesperado para desencadear mudanças: os videogames.
Será que os jogos podem nos ajudar a nos reconectar com a natureza e até mesmo a aprofundar nossa empatia pelo meio ambiente? Como alguns de vocês devem saber, sou uma grande fã de jogos com temas sustentáveis e ecológicos e recentemente comecei a estudar esse assunto!

Maaaaas para explorar mais a fundo essa questão, conversei com a maravilhosa Kasey Edgerton, doutoranda cujo trabalho une ecopsicologia, empatia e estudos de jogos. Kasey tem um canal no YouTube (Ecopsych Exp) e uma conta no Instagram onde compartilha seu conhecimento!
Nesta entrevista, ela compartilha seus insights sobre como narrativas ecológicas, mecânicas inspiradas na natureza e design emocional em jogos podem promover uma mentalidade mais sustentável e empática.
Não importa se você é um designer de jogos, um jornalista ou um jogador curioso, esta conversa nos convida a repensar o que os jogos podem fazer não apenas como entretenimento, mas como experiências emocionais e ecológicas. Bora diretooo pra entrevista traduzidinha especialmente para vosmecê? Você pode, contudo todavia entretanto, ler a versão original em inglês AQUI.
ENTREVISTA
Livia: Oii, Kasey! Muito obrigada por dedicar um tempinho do seu precioso tempo para conversar um pouco e nos presentear com seu conhecimento. Primeiramente, você poderia se apresentar brevemente e nos contar como se interessou por ecopsicologia e sua conexão com jogos digitais?
Kasey: Oi, Liv! Bem, antes de mais nada, muito obrigada por me receber! Você é muito gentil! Claro, eu adoraria. Atualmente, sou doutoranda no Viridis Graduate Institute, no programa de Psicologia Ecológica e Estudos Ambientais. Também estou concluindo um segundo mestrado em estudos museológicos na Universidade Harvard, onde estou explorando como os museus podem promover a empatia interespecífica por meio do uso de videogames. Meu foco de pesquisa de doutorado é como videogames/mundos virtuais podem promover a empatia ecológica e combater a apatia e o pessimismo.
Pra resumir, a conexão com os jogos digitais veio primeiro. Cresci como uma jogadora ávida; comecei com Pokémon Gold no Gameboy Color e um amado companheiro Pokémon, Meganium. Depois de horas e horas gastas neste mundo virtual com essas criaturas virtuais, infelizmente um primo acidentalmente roubou meu arquivo seguro... Eu, criança, fiquei arrasada. Essa foi minha primeira experiência real com o quão profunda uma conexão com um jogo e seu mundo pode ser, e isso obviamente ficou comigo. Haha

Então, continuei crescendo e jogando um montão de jogos diferentes de todos os gêneros (alguns dos meus favoritos sendo survival horror, JRPGS, simulação...), e essa parte central da minha vida e experiências realmente começou a se destacar e se revelar durante o período em que participei do programa de mestrado em estudos visuais. Comecei a me interessar por fotografia virtual e a explorar videogames como tema fértil para outros projetos artísticos. Sempre me vi gravitando em torno de temas/questões/ideias psicológicas e ambientais, mas na época eu ainda não tinha uma palavra para isso. Eu estava realmente trabalhando e apaixonado por esse campo que, para ser descoberto, era a psicologia ecológica, ou "ecopsicologia", para abreviar.

Livia: Para quem não conhece, como você definiria a ecopsicologia em termos simples e por que você acha que ela é importante hoje, especialmente no contexto de pessimismo ambiental, ansiedade climática e vida digitalizada?
Kasey: Claro. Bom, a decomposição da palavra ecopsicologia em suas duas partes, "psicologia ecológica", reconhece que os humanos são seres ecológicos, ou seja, somos parte da natureza, não somos magicamente removidos ou separados dela. Como parte da natureza, estamos sujeitos aos mesmos processos planetários, em um sentido muito literal. Assim como o resto da Terra, passamos por períodos de decadência e períodos de renovação, somos moldados pela diversidade dos ambientes ao nosso redor e estamos em constante relacionamento com os outros, sejam eles humanos, animais, fungos, etc. E todos nós carregamos narrativas e comportamentos moldados por tudo isso. Na ecopsicologia, investigamos profundamente essas narrativas e como elas se manifestam em nossas vidas e no mundo em geral, e tentamos "compostá-las" que possam estar causando danos ou limitações, para que outras mais frutíferas possam emergir. 😊
Os desafios enfrentados hoje, como as perturbações climáticas, o ecocídio, o genocídio e, claro, muitos outros, estão profundamente enraizados nas narrativas e comportamentos humanos. Espero que a ecopsicologia possa nos ajudar a mudar as narrativas que sustentam comportamentos e práticas destrutivas que estão prejudicando todas as formas de vida no planeta. Estamos todos juntos nessa. Vivemos e morremos juntos.
Livia: Como os jogos, que geralmente são jogados em ambientes artificiais ou virtuais, podem ajudar a promover uma conexão mais profunda com a natureza ou consciência ecológica nos jogadores?
Kasey: Acredito firmemente que a forma como os jogadores vivenciam e interagem com ambientes virtuais influencia sua conexão empática com a natureza do "mundo real". Esses mundos digitais são espaços psicologicamente e ecologicamente significativos que podem evocar, e de fato evocam, experiências emocionais incorporadas, e essas experiências podem inspirar um cuidado mais consciente com a forma como nos relacionamos com a natureza, como parte dela. Os videogames permitem experiências de admiração, despertar e fortalecer a empatia, e acredito que isso, por sua vez, permite a mudança narrativa e comportamental aplicada ao mundo em geral, combatendo a prevalência moderna de apatia ambiental e/ou pessimismo avassalador.
Livia: Existe algum jogo específico que você acha que incorpora com sucesso os princípios ecopsicológicos? O que os diferencia dos demais?
Kasey: O que é belo e fascinante para mim é que tantos jogos realmente incorporam princípios ecopsicológicos, mesmo que não saibam disso ou nunca tenham ouvido o termo antes. Porque, como eu disse antes, os princípios ecopsicológicos são princípios da natureza. Existem cinco princípios ou processos fundamentais da ecopsicologia:
1-Energia: O Princípio da Troca de Energia afirma que toda a vida e todos os sistemas dependem da constante transferência/troca de energia para sustentar processos e relacionamentos.
2-Diversidade: O Princípio da Diversidade enfatiza que variedade e multiplicidade são essenciais para a resiliência e o florescimento em sistemas ecológicos e psicológicos.
3-Decadência & Renovação: O Princípio de Decadência e Renovação destaca que nada é desperdiçado na natureza; processos de decomposição levam à regeneração.
4-Mudança: O Princípio da Mudança afirma que a transformação é constante e inevitável tanto em contextos ecológicos quanto psicológicos.
5-Relacionamento: O Princípio do relacionamento significa entender que tudo está interligado e que nos moldamos mutuamente por meio de nossas intra-ações.
Esses princípios podem surgir em todos os gêneros e escalas, de inúmeras maneiras! E eu acho isso incrível! Dito isso. Alguns que me vêm à mente neste exato momento e que se destacam particularmente são: Horizon Zero Dawn, Final Fantasy VII, Outer Wilds, Subnautica, Okami, Spiritfarer, Stray, Walden, um jogo, e tantos outros!

Livia: Na sua opinião, qual é o impacto psicológico da interação com mecânicas baseadas na natureza ou com temática ecológica em jogos? Isso poderia influenciar o comportamento no mundo real ou a empatia em relação ao meio ambiente?
Kasey: Em uma época de crescente apatia e pessimismo ambiental, este lugar onde videogames e psicologia ecológica se fundem oferece um potencial inesperado e fértil. Se os jogadores conseguem se sentir conectados a uma floresta digital, a uma calota polar derretendo ou a uma espécie em extinção em um jogo, essa conexão emocional pode se traduzir em maior cuidado, curiosidade e motivação no mundo físico.

Acredito que os videogames têm a capacidade única de aliviar sentimentos de desamparo, desconexão e ruína ecológica, oferecendo experiências interativas e emocionalmente ricas da natureza e da interconexão da humanidade com outras espécies. A ruína ecológica e a apatia são forças paralisantes. Os jogos, quando bem projetados, podem oferecer experiências que afirmam a ação, nas quais os jogadores veem seus comportamentos importantes, mesmo que em pequenas dimensões. Isso restaura um senso de possibilidade, reengajando os jogadores emocional e psicologicamente com o mundo ecológico.

Estas não são experiências passivas – elas são sensório-motoras, emocionais e transformadoras. Isso desafia a noção de que as mídias digitais nos desconectam inerentemente da natureza. Em vez disso, posiciono os videogames como espaços ecológicos válidos, lugares de relacionamento, intra-atividade e conexão corporal que se alinham aos princípios da psicologia ecológica.
Livia: Você acha que há alguma diferença na forma como os jogadores se envolvem emocionalmente com o conteúdo ecológico em jogos indie em comparação aos títulos AAA?
Kasey: Acredito que, embora muitos jogos AAA sejam, naturalmente, feitos com enorme cuidado e coração genuíno, os jogos indie ocupam uma posição de possibilidades radicais. Tive a sorte de me conectar e formar amizades com vários desenvolvedores indie, muitos dos quais são desenvolvedores solo, e não posso enfatizar o suficiente o quanto de consideração e energia pessoal são investidos nos mundos, personagens e experiências gerais que eles criam.
Isso pode ser um trabalho exaustivo e muitas vezes não reconhecido, mas as pessoas por trás desses jogos são motivadas a expressar o que é significativo para elas e, em última análise, conectar e impactar outras pessoas no mundo por meio do que criam. É uma troca de energia. É relacionamento. E eu acho que os jogadores podem realmente sentir isso.
Livia: Como você vê o papel dos designers de jogos e escritores de narrativa na promoção da consciência ecológica por meio da jogabilidade e do storytelling?
Kasey: Quando converso com designers e escritores, jogo jogos incrivelmente reflexivos e até mesmo participo de comunidades de jogadores, vejo o quanto já mudou. Há um foco crescente no cuidado, no relacionamento, na complexidade dos ecossistemas, tanto digitais quanto reais. Meu objetivo é que, ao documentar e compartilhar essas mudanças, eu possa ajudar outras pessoas (especialmente aquelas fora do mundo dos games) a enxergar o que é possível quando abandonamos velhas narrativas e nos mantemos abertos à transformação contínua.
O próprio mundo dos games está passando por esse tipo de mudança. Há mais cuidado nas histórias contadas, mais profundidade na forma como os jogadores se relacionam com os ambientes ao seu redor. Os desenvolvedores estão criando espaços onde a empatia não é apenas parte da narrativa, mas também parte de como o mundo projetado se comporta. E conversando com eles, jogando esses games, documentando tudo isso, passei a enxergar essa mudança como algo não apenas real, mas também digno de ser compartilhado.

Olhando para o futuro, não consigo deixar de imaginar como seria a indústria de jogos se se apoiasse ainda mais nesse momento de mudança. E se a consciência ecológica não fosse apenas um tema narrativo, mas um princípio intrínseco à forma como todos os jogos são desenvolvidos, comercializados e distribuídos? Poderíamos ver estúdios projetando jogos que modelam o pensamento relacional não apenas nas histórias, mas também na forma como as equipes são tratadas, como os recursos são obtidos e como o desperdício de hardware é tratado. E se a própria cultura dos jogos se tornasse mais gentil, mais curiosa, mais enraizada no relacionamento, menos voltada para a conquista e mais voltada para a reciprocidade?
Livia: Quais são alguns equívocos comuns sobre ecopsicologia ou empatia ambiental que você encontrou no espaço dos jogos?
Kasey: Honestamente, eu realmente tenho que dar crédito à comunidade gamer aqui. Eu realmente não me deparei com muitos equívocos diretamente. Às vezes eu encontro pessoas bem-intencionadas falando sobre como precisamos nos "reconectar" com a natureza, ou como estamos "desconectados" da natureza. Em termos de ecopsicologia, os humanos não podem ser desconectados da natureza, porque nós somos natureza. Quando começamos a mudar e olhar as coisas dessa forma, eu realmente acho que isso começa a tirar um pouco daquele peso pesado que muitos de nós colocamos em nossos ombros. O peso dos humanos "serem o problema".
Essa é uma narrativa que vem acompanhada de muita vergonha, culpa e até raiva, à medida que as pessoas se sentem demonizadas ou repreendidas, e tudo o que isso faz é excluí-las. Você não pode pregar ou repreender ninguém para mudar de pensamento ou comportamento. Simplesmente não vai funcionar. Eles se desligam. Além disso, essa narrativa de que os humanos são uma criatura especial no planeta, um problema e tão "ruim" para todo o resto, na verdade, apenas coloca os humanos nessa caixinha que os posiciona como a "exceção" super especial. Que eles são excepcionais em relação a todas as outras formas de vida, só que de uma forma negativa, o que ainda torna tudo muito centrado no ser humano. Vamos nos descentralizar. Não somos mais especiais/excepcionais do que qualquer outra espécie. Então, vamos todos trabalhar juntos para o bem uns dos outros.
Livia: Você poderia compartilhar um pouco sobre sua pesquisa atual? Há alguma descoberta ou ideia surpreendente que você acha que os desenvolvedores de jogos possam achar útil?
Kasey: É claro! Tudo ainda está bastante em andamento, mas posso explicar a essência.
Perguntas de Pesquisa:
1) Como os videogames podem promover a empatia entre espécies?
2) Como os videogames promovem a conexão empática para além da estrutura narrativa, que é comumente o foco?
3) Como os desenvolvedores de videogames podem fazer o design de forma consciente para aumentar a empatia ecológica e diminuir os sentimentos de apatia e pessimismo ambiental?
4) De que maneiras a arte em novas mídias pode servir como pontes de conexão ecológica entre os mundos digital e analógico?
O objetivo principal da criação e execução do meu projeto de doutorado é demonstrar como ecossistemas virtuais visualmente ricos e imersivos em videogames podem ser usados para inspirar empatia pelo mundo natural, na vida real, e incentivar o aumento da consciência ecológica. Ao aplicar os Cinco Princípios por meio de métodos artísticos, meu projeto final posicionará os videogames como um meio essencial para o engajamento ecológico, demonstrando como as paisagens digitais podem moldar nossa relação com o mundo natural.
Vamos ver... Até agora, eu diria que a maior percepção que eu poderia passar para os desenvolvedores é que existe um interesse genuíno por jogos mais ecológicos/ecopsicológicos! Ao entrevistar jogadores de todos os gêneros, de AAA a Indie, tenho recebido muitos feedbacks positivos e curiosos. As pessoas querem saber mais sobre quais estúdios estão promovendo temas ecológicos e, além disso, quais estão pegando esses temas e fazendo coisas realmente interessantes e inovadoras com eles! Elas querem histórias e mecânicas novas e inovadoras! E estou vendo isso ecoar em diferentes culturas, gêneros, faixas etárias, etc.
Livia: Por fim, que conselho você daria aos desenvolvedores independentes ou contadores de histórias que querem criar jogos que apoiem a empatia ecológica ou a conexão emocional com a natureza?
Kasey: Eu diria, crie a partir da sua própria experiência como ser humano. O que pessoalmente o comoveu antes, porque se você puder acessar isso, então você será capaz de realmente tocar os outros. Eu não acho que os jogos precisam ser mais gerais e universais; eu acho que eles precisam ser mais profundamente pessoais. Você alcança o universal através do pessoal. As pessoas querem ver sua própria marca única de estranheza. É isso que é tão atraente em um jogo como Death Stranding. Agarre-se às idiossincrasias, às especificidades de um lugar ou um estado psicológico, uma emoção ou um relacionamento.

Em seguida, construa um mundo e uma história a partir daí. Pense em uma floresta onde você adorava acampar quando criança, ou como era brincar ao ar livre em um campo, e então tenha esses sentimentos e experiências em mente ao literalmente projetar uma floresta, um campo, etc. em um jogo. Se for criado a partir de um lugar de reflexão e empatia, isso certamente será transmitido ao jogador. Pense em processos ecológicos como decadência e renovação, troca de energia, mudança, etc., e como eles se espelham psicologicamente.
Um protagonista pode precisar atravessar uma floresta murcha e moribunda, e como isso pode ser sentido por ele? E como você pode realmente expressar isso na mecânica do jogo e na história? E, falando sério, qualquer desenvolvedor é mais do que bem-vindo para entrar em contato comigo! Essa é a paixão da minha vida, e eu meio que acidentalmente acabei me posicionando coma a única "Ecopsicóloga de Videogames"... até agora! 😊
Gostaria de agradecer do fundo do coração à Liv por me convidar para o seu espaço virtual para papear sobre ecopsicologia, videogames e como os vejo como uma força para tanto bem! E, se você chegou até aqui, muito obrigada também!
Antes de você ir!
Gostasse da entrevista?? Particularmente, eu AMEI ler cada palavrinha tão cheia de paixão. A Kasey é uma grande referência pra mim e, para ser honesta, vejo ela como uma espécie de super heroína da ecopsicologia. Heróis da vida real.
KASEY VENHA PARA O BRASIL!
Espero voltar com mais conteúdos sobre ecopsicologia e temáticas de preservação da fauna e da flora! É um assunto que também me move muito.
Até looooogo amore!
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